Galopim de Carvalho

No passado dia de 7 de maio comemoraram-se vinte e cinco anos sobre a classificação dos monumentos naturais da pedreira do Avelino (Zambujal), Pedra da Mua e dos Lagosteiros (Cabo Espichel) respetivamente.
A Câmara municipal de Sesimbra assinalou a efeméride com uma cerimónia na igreja de Nossa Senhora do Cabo Espichel pelas 15:30h na qual foram distinguidos três individualidades: o prof. Luiz Saldanha (a título póstumo, representado pelo seu filho), o prof. Miguel Telles Antunes e o prof. António Galopim de Carvalho, com os medalhões da vila de Sesimbra.
Francisco Jesus salientou que “É um prazer termos hoje aqui a comunidade científica neste dia, que também é de homenagem a três investigadores, a quem agradecemos profundamente pelos contributos fundamentais para a classificação das jazidas de dinossauros do Cabo Espichel e do Zambujal. Eles foram os elos de uma corrente que tornou possível esta classificação, e que nos permitiu estarmos hoje a assinalar esta data”.
Estiveram presentes várias individualidades e entidades que se associaram a esta cerimónia.
À margem deste importante acontecimento, o jornal “O Sesimbrense” solicitou ao professor catedrático jubilado, António Galopim de Carvalho uma entrevista e obteve as seguintes respostas.

A 7 de maio de 2022 assinalaram-se os 25 anos da classificação dos monumentos naturais de Sesimbra: a pedreira do Avelino no Zambujal, a Pedra da Mua e os Lagosteiros no Cabo Espichel. Que balanço faz deste quarto de século sobre a classificação destes monumentos naturais?
Por limitações pessoais, em termos de saúde e outras próprias da idade, há muitos anos que não me desloco a estes geomonumentos.
O da Pedreira do Avelino ficou muito valorizado com a intervenção ali efectuada como local de observação aberto ao visitante. Esta jazida descoberta em 1989 pelo professor Miguel Magalhães Ramalho, com óptimas condições de musealização, exibe pegadas muito bem definidas e conservadas.
O da Pedra da Mua necessita que se construa um miradouro digno desse nome, do outro lado da Baía dos Lagosteiros, frente a este monumento natural. O do Lagosteiros ficará valorizado se se construir ali uma estrutura, tipo miradouro de proximidade. Face a estes dois geossítios seria interessante melhorar o caminho de acesso e conceber um parque de estacionamento automóvel na imediata vizinhança.

Até à entrada em vigor do Decreto nº 20/97 de 7 de maio, seguramente ocorreram várias etapas, recorda-se como tudo começou?
A importância das jazidas com pegadas de dinossáurios do concelho de Sesimbra como geossítios e a sua grande vulnerabilidade, levou-me, em 1993, a solicitar à Câmara Municipal que requeresse, ao Instituto de Conservação da Natureza, a classificação destas ocorrências como monumentos naturais, ao abrigo do Decreto-Lei 19/93. Solicitação que fiz acompanhar da necessária justificação científica e pedagógica. Num processo demasiadamente burocrático e lento, que durou quatro anos, este pedido de classificação foi finalmente contemplado através do Decreto nº 20/97, de 7 de março.
Corria o ano de 1989 quando, o saudoso e grande impulsionador da geoconservação em Portugal, Prof. Miguel Magalhães Ramalho identificou o geossítio da Pedreira da Ribeira do Cavalo, em Zambujal (2,5km para Oeste de Santana, Sesimbra), magnífica jazida com 12 trilhos paralelos com pegadas de grandes dinossáurios carnívoros (terópodes) deixados numa camada de calcário do Jurássico superior, empinada quase à vertical, num precioso testemunho de uma cena de vida (animais deslocando-se em “manada”) aqui ocorrida há cerca de 150 milhões de anos.
O estudo de pormenor desta outra ocorrência foi iniciado em 1992, no Museu Nacional de História Natural (MNHN), por Vanda Santos, sob a orientação de um especialista de renome mundial, o Prof. Martin G. Lockley, da Universidade do Colorado, em Denver, numa segunda estada em Portugal, a meu pedido e a expensas da Fundação Luso-Americana.
A sua classificação como Monumento Natural, foi, de imediato, pedida ao ICN, em conjunto com as três antes referidas e só não foi concretizada porque ruiu a meio do sempre lento processo burocrático, mais precisamente, no dia 9 de março de 1995, transformando-se num monte de pedregulhos sem qualquer interesse para além da sua transformação em brita. Três invernos particularmente chuvosos e a inércia dos responsáveis contribuíram para esta situação.
Conhecedor da fragilidade da camada rochosa contendo as pegadas, fracturada e parcialmente descalçada, procurei o parecer de um técnico do LNEC, com grande experiência profissional no sector da geologia de engenharia, que confirmou os meus receios. Com base neste parecer solicitei à Câmara, insistentemente, que procedesse a obras de consolidação da jazida, trabalho simples que consistia, basicamente, em calçá-la e impermeabilizá-la, impedindo que as águas se infiltrassem entre ela e a camada subjacente.
Não obstante os alertas lançados à Câmara e ao ICN, a grande laje candidata a Monumento Natural perdeu-se para sempre. Ficaram-nos as fotografias, os esquemas e um contramolde em latex de uma das pegadas, mostrando, com grande pormenor, a morfologia da pata do animal. Ficaram-nos, ainda, os estudos publicados e uma memória triste, que envergonha os responsáveis.
A consciência que tinha de uma derrocada iminente e face à falta de respostas adequadas à resolução do problema, solicitei oportunamente uma audiência ao Secretário de Estado do Ambiente, Poças Martins, atenção que me foi concedida, agendada para 31 de março de 1995, mas, a 9 desse mesmo mês, como disse atrás, aconteceu o previsto.

Quais foram as entidades públicas, privadas e indivíduos envolvidos na confluência de esforços que determinaram as almejadas classificações como monumentos naturais?
Sobretudo o Museu Nacional de História Natural, a Câmara Municipal de Sesimbra, o Instituto de Conservação da Natureza, a Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, a Fundação Luso-Americana e, sempre, sempre, a Comunicação Social.

Como avalia o território de Sesimbra relativamente à geodiversidade e à geoconservação do seu património natural e cénico?
Numa época em que os parques geológicos e a musealização de geossítios surgem por toda a Europa e em que o geoturismo cresce de ano para ano, não se entende, como este concelho, riquíssimo neste tipo de património natural, continue a ignorar esta mais-valia e a desperdiçar toda a colaboração que, nesses anos (e foram muitos), lhe ofereci, sempre graciosamente (pro bono), acentue-se. Entre a Lagoa de Albufeira e a Serra da Arrábida, duas pérolas paisagísticas, recheadas de ensinamentos sobre a nossa história mais antiga, são muitos os geossítios a integrar num itinerário onde o turismo de natureza vai de mãos dadas com o que procura o património construído, o gastronómico, o etnográfico, o desportivo, ou, simplesmente, o sol e a praia. Tirando os trabalhos a que se alude no parágrafo 1 e a uma muito pobre intervenção na Gesseira de Santana, nada mais foi feito nestes mais de 25 anos sobre as diligências que empreendi.

Gesseira de Santana: ocorrência única no concelho, onde se explorou o gesso até aos anos 60 do século passado e hoje abandonada, esta jazida constitui um georrecurso cultural, com o valor de um geossítio, com óptima localização e fácil acesso, que urge preservar, valorizar, fruir e legar aos vindouros.
A sua competente musealização permitirá uma conveniente acessibilidade dos cidadãos ao conhecimento de uma página da história geológica da região, há uns 200 milhões de anos, proporcionando-lhes uma relação mais próxima com o ambiente natural.
A intervenção ali levada a efeito pela autarquia não valoriza o significado geológico desta jazida.
Antiga foz do Tejo: um admirável testemunho desta página da história geológica no concelho sesimbrense encontra-se na região de Porto do Concelho, à beira da estrada nacional 378, de Lisboa para Sesimbra, ao Km 12,18, do lado direito de quem se dirige para esta vila. Aqui um afloramento de areias conglomeráticas com calhaus rolados de granito e de outras rochas características da Serra de Sintra, bem como de basalto e de sílex da região de Lisboa, é prova irrefutável de transporte directo, para aqui, de calhaus oriundos do outro lado do gargalo do Tejo.
Prova, ainda, que a actual saída do rio se situava num largo corredor entre Almada e a linha de alturas Espichel-Arrábida, em terrenos cuja idade se estima ente um a dois milhões de anos. Prova ainda que o gargalo do Tejo corresponde a uma abertura ao mar geologicamente muito recente.
Em 1998 propus à Câmara Municipal de Sesimbra a classificação deste sítio como “Imóvel de Interesse Local”, tendo proposto outro tanto relativamente à gesseira de Santana. Os anos foram passando e este importante geossítio não foi alvo de qualquer intervenção que o proteja, valorize e coloque à fruição por parte do público. Face a esta inoperância, solicitei ao Arqt.º Mário Moutinho, numa visita que fizemos ao local, a elaboração do necessário projecto de musealização, projecto que, em nome do Museu Nacional de História Natural, entreguei, simultaneamente, à autarquia e ao Parque Natural da Arrábida, em 2003.
Este projecto mereceu dos responsáveis o melhor acolhimento, mas tudo ficou por aí. Morreu à nascença. De fácil acesso, dispondo de espaço para estacionamento e manobras de autocarros este geossítio reúne óptimas condições de musealização.

Que outros geossítios podemos conhecer e usufruir no nosso concelho?
Além daqueles para os quais solicitei a justificada valorização e musealização em anos idos (mais de um quarto de século) outros há, entretanto, descobertos por outros geólogos e/ou palentólogos, e, certamente, outros se identificarão.

Com as recentes descobertas dum conjunto de 614 pegadas de dinossáurios nas camadas superiores da formação da Areia do Mastro (2019) e de numerosas pegadas de crocodilomorfos (2021) podemos afirmar que esta região poderá tornar-se num ímpar polo, ao nível geológico, paleontológico, científico, entre outros?
Trata-se de descobertas certamente importantes, que não acompanhei, mas que permitem uma resposta positiva a esta pergunta.

Temos condições naturais e cénicas para desenvolver o geoturismo?
Certamente que sim.

A Câmara municipal de Sesimbra homenageou-o na igreja de Nossa Senhora do Cabo Espichel com o
medalhão da vila, como encara esta homenagem?
Com imensa satisfação, a simplicidade e a humildade que me caraterizam.

O professor Catedrático Jubilado António Galopim de Carvalho continua a exercer o seu magistério, desta feita nas plataformas digitais, tem uma legião de seguidores, ensina e partilha informações por diferentes estratos populacionais e com diferentes níveis educacionais, promove o ensino das massas, como avalia as novas tecnologias ao serviço do ensino?
Penso que representam uma imensa mais-valia não só ao serviço da educação, mas de todas as actividades individuais e colectivas da sociedade.

João Silva

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Director do jornal O Sesimbrense