Entrevista a Manuel José Pólvora – “Foi do mar que ganhei aquilo que tenho hoje”

Manuel José Pólvora durante a inauguração da nova linha de congelação da Artesanalpesca, em dezembro de 2022

Com apenas 13 anos a vida rumou-o até ao mar, onde permanece ligado até hoje. Entre vitórias e dificuldades, esfolou peixe e geriu empresas. Aos 67 anos, Manuel José Pólvora está na presidência da ArtesanalPesca, uma cooperativa de Armadores que revolucionou o setor da pesca nacional e que tem vindo a crescer desde 1986.

Iniciou a sua carreira no mar, na embarcação que era do seu pai e avô, e desde então tem estado sempre ligado à pesca. Foi por esse motivo que ingressou nessa área?
Sim, inicialmente foi por causa da família. O meu pai teve um problema de saúde e não podíamos perder tempo: ou se vendia o barco ou eu ia trabalhar nele… e foi isso que aconteceu. Na altura, com 13 anos, deixei a escola e fui para o mar. Decidi isso em fevereiro, num dia de chuva! (risos) Cheguei a casa e o meu pai e a minha avó estavam a falar sobre o que é que iam fazer ao barco.

Com 13 anos era muito novo para saber o que queria fazer no futuro…
Era muito jovem. Na altura as coisas não eram fáceis. Fui estudar para a Escola Industrial e Comercial de Setúbal com o intuito de arranjar alguma profissão. De facto, era bom a matemática. O professor até dizia que eu era o melhor aluno do país (risos). Com a situação do meu pai, nem sequer fiz o exame…
Fazendo uma retrospetiva da sua vida até aos dias de hoje, era aqui que queria estar?
Sim. Fui para o mar e a minha vida foi aquela. Fiz coisas boas e, naturalmente, outras menos boas. Foi do mar que ganhei aquilo que tenho hoje. Depois tive outras firmas, vendi óleo para o Japão…, mas também tudo derivado do mar. Tive empresas em que tinha barcos que pescavam tubarão, depois havia a parte que fazia a esfola do peixe e tinha também a venda do óleo. Funcionava como um circuito fechado.
Então sente que alcançou os seus objetivos? Nenhum ficou por alcançar?
Sinto que sim. Tenho que dizer que alcancei os meus objetivos porque penso que estou acima dos 50% da média… quando estás acima da média é bom sinal. Claro que toda a gente quer mais e melhor, mas estou muito satisfeito.

Quais foram as maiores dificuldades ao longo do percurso?
Foram muitas… o mar é difícil. As coisas nem sempre correram bem e existiram várias dificuldades. Por exemplo, houve uma altura em que governei barcos de outras pessoas. Depois, essas pessoas tinham filhos e genros que ficavam com os barcos e eu acabava por ter de me ir embora. Mas, mesmo assim, sempre foi bom para mim, sempre fiz coisas boas. Uma vez ganhei seis partes… na altura era mais ou menos especial (risos). Depois vim formar esta organização (ArtesanalPesca) e sinto que Deus me deixou aqui com algum propósito. Já vi, várias vezes, a morte à frente dos olhos… já andei a nadar (devido a naufrágios). Então sinto que Deus me deixou cá para fazer alguma coisa pela terra. Na altura Sesimbra não tinha uma congelação, não tinha nada. O peixe que não se vendesse no dia ia fora!

Porque deixou a vida do mar, enquanto mestre, e se dedicou ao negócio do óleo de fígados?
No dia 13 de janeiro de 1985 a minha embarcação “Juventude do Mar” naufragou. Na altura fiquei sem dinheiro e tive de ir trabalhar. Arranjei trabalho na lota a esfolar peixe e daí nasceu o gosto pelos tubarões. Depois fiz uma firma e consegui fazer o negócio do óleo e exportar para o Japão.

Como foi fazer negócios com grandes empresas, nomeadamente japonesas?
Na altura tinha uma pessoa em Lisboa que tinha esses contatos e, como já tínhamos mais poder económico, através de uma firma conseguimos fazer contratos com o Japão. Com créditos abertos enviávamos contentores de óleo para fora. Ainda trabalhei uns 8 anos com os japoneses e gostei!

O seu sucesso e ascensão levaram a que fossem ditas coisas sobre si. Como lidou com isso? Só responde se quiser…
É uma pergunta boa e respondo com todo o agrado. Na altura do óleo ganhei algum dinheiro, de facto. Eu e um rapaz éramos sócios e comprámos dois carros, em segunda mão, mais um “barquinho” de 5 metros… foi uma coisa que, para esta vila, era um grande investimento. Um dia estava em Lisboa e telefonaram-me a dizer que estava preso… mas eu estava ali! Depois, vim para Sesimbra e contaram-me a história do que tinham dito sobre mim. Até me fui sentar ao lado do posto da GNR, no largo, à espera que alguém me prendesse (risos). Claro que não havia nada. No dia a seguir, lembro-me perfeitamente… como toda a gente me via na rua, diziam que eu tinha pago uma fiança de 500 contos. Posso dizer que nunca tive problemas. A única coisa que me chateou foi o facto dos meus filhos ouvirem comentários na escola. Agora estou aqui na ArtesanalPesca, e é o que é hoje… deve ter sido da droga, não foi do trabalho (ironia). Ninguém pode ter sucesso nesta terra. Nem nesta nem noutras.

Como é que surge a ArtesanalPesca na sua vida?
Surgiu quando comprei um barco, que andava às redes, e foi necessário um técnico para fazer a escrita. Tornei-me associado apenas para ter acesso ao técnico. Lembro-me bem da primeira reunião a que fui: uma grande barafunda porque ninguém estava satisfeito. Foi apresentado um projeto, aos 60 sócios, de 240 mil contos, em que 180 mil eram dados pelo Estado e nós tínhamos de arranjar os 60 mil restantes. Depois, nem todos quiseram participar, acabando por ser 20 associados a dar 3 mil contos cada um, para construir a primeira fase do projeto. A primeira fábrica tinha 800m2, com peixe fresco, e já se fazia alguma congelação. Comprávamos também barcos inteiros de peixe para congelar. Na segunda fase construíram-se mais outros 800m2, e fomos sempre alargando. Hoje temos mais de 5.000 m2 de área coberta. Foi tudo construído em cinco fases.

Existem planos para continuar a crescer?
Temos planos, vamos ver é o trabalho. Esta área tornou-se muito sazonal com a situação da sardinha e da pesca… agora toda a gente é contra a pesca. Por exemplo, atualmente temos os barcos parados. A partir do dia 2 de maio já vão começar a trabalhar. Até hoje tem sido bom, mas nunca se sabe. Também temos um investimento preparado para fazer, mas não sabemos se vai avançar este ou no próximo ano. Temos uma ideia para fazer mais uma nave.

Qual é a importância deste projeto (ArtesanalPesca) na sua vida? E para a comunidade Sesimbrense?
Quando fiz este projeto trouxe os meus filhos comigo para me ajudarem. Fartamo-nos de trabalhar, mas ninguém dá valor. Ao contrário do que muitos diziam, a minha ideia não foi fazer isto para mim e para os meus filhos. Apesar disso, estou satisfeito porque acho que fiz bem e ajudei a terra. Neste momento temos quase 90 pessoas empregadas na ArtesanalPesca.

De onde surgiu a sua alcunha “saltavara”?
A alcunha já vem do meu pai. As barcas tinham um mastro, deitado, desde da proa até à cabine. Dizem que o meu pai andava sempre a saltar a vara de um lado para o outro. Eu sou e os meus filhos também ficaram “saltavara”.

 

Filipa Macedo

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