A Loja do José João

A “Loja do Zé João”, na rua Cândido dos Reis, era um museu vivo do antigo trato comercial sesimbrense, tanto no modo de apresentar as mercadorias, como no atendimento personalizado. Dir-se-ia uma loja de companha, um porto de abrigo, onde as histórias das pessoas se misturam com a História de Sesimbra. Fechou portas com o findar do ano de 2017, motivo pelo qual republicamos, parcialmente, uma entrevista feita no ano passado pelo jornal Mares de Sesimbra.
José João Carvalho nasceu em 1945, na freguesia de Santiago, na rua Amália, actual rua 2 de Abril. Depois de ter feito a 4ª classe, ainda trabalhou na pesca, e na casa bancária Loureiro, mas finalmente entrou como marçano na loja do senhor Adelino José de Carvalho, a qual, na sua própria expressão, era a “catedral da moda aqui de Sesimbra”.

Foi aí que eu comecei a fazer-me um profissional desta coisa, com um homem excepcional, que era o velho Adelino José de Carvalho, um homem com um saber da vida e experiência de vida levada da breca, e então estive por ali até aos 23 anos.
Aos 23 anos, estava no serviço militar em Lisboa, viajava para Sesimbra diariamente, e pedi trabalho ao sr. António Luis, ao sr. Hernâni, e ao sr. Candinho Augusto, proprietários do Café Central, para trabalhar em part-time como empregado de mesa, isto durou dez anos.

Em part­-time, ao mesmo tempo que estavas na loja?
Saía da loja, ia fazer os fins-de-semana, as noites, no Café Central, que era o ex-libris de Sesimbra.

Esse trabalho no Central, já foi em que ano?
Ora, eu fui para a tropa em 1966 – foi nos anos 67… 68… 69…

Quando Sesimbra estava cheia de turistas?
Sesimbra tinha muita gente, mas uma gente diferente do que há agora. Uma grande parte alentejanos, que alugavam casa aqui, e depois começaram a aparecer os chamados hippies, os beatles, os teddy boys, e quem usava o cabelo do tamanho do meu era um teddy boy, um cabelo assim um bocadinho grande.
Depois, aos 27 anos, fiz-me pescador semiprofissional. Tive uma aiola de pesca durante algum tempo, primeiro emprestada pelos pescadores, não havia licenças, ia para o mar quem queria, já o Raul Brandão dizia isso, Sesimbra tinha essa faculdade, os barbeiros, os terristas, tudo se servia do mar. Eu tinha cédula marítima desde o tempo em que fui moço, e comprei uma aiola, primeiro emprestada e depois então, contra a vontade da minha mãezinha, e aos 27 anos, eu não sabia remar, mas como tinha um feeling do mar, depressa aprendi a fazer aquilo que me atraiu sempre, que foi o mar. Mas sempre aqui na loja.
Depois os velhos Adelinos faleceram, trespassaram a casa aos três empregados.

Isso foi em que altura?
Ora, eu estou aqui há 21 anos, foi aí no ano de mil novecentos e oitenta, para aí

E ficaram os três em sociedade, com as duas lojas?
Ficámos. Depois tivemos uma separação, e eu fiquei com esta loja, estou aqui há 23 anos. Eles ficaram com a loja do Adelino José de Carvalho.

Aqui era mais retrosaria?
Esta casa foi feita para uma retrosaria, pelo velho Elias carpinteiro. Manualmente, tudo manualmente, o velho Elias carpinteiro que era republicano, amigo pessoal do Adelino José de Carvalho, fez-lhe esta loja toda manual.

E agora, esta loja tem a marca de retrosaria, mas não é só uma retrosaria.
Depois eu, quando vim para aqui, como estava habituado a vender artigo de homem e pronto-a-vestir, nunca acabei com a retrosaria, mantive a retrosaria, embora menos evidente, mas ela está cá e tenho clientes para ela e modifiquei a loja ao meu jeito, mais à base do artigo de homem.
Mas isto foi feito exclusivamente para uma retrosaria, porque havia quarenta e quatro costureiras em Sesimbra, com mais umas vinte e tantas no campo, e tudo vinha ao Adelino comprar os acessórios. Estas prateleiras foram feitas para as caixas dos botões, isto aqui [atrás do balcão] eram tudo botões. As caixinhas foram feitas para os fechos, para as linhas e tal.

Mas ainda tens muito stock de botões, que ainda vi outro dia.
Mantive tudo isso, nada alterei. As caixas e o metro [vara métrica] são tão antigas como a loja. Estes metros têm 80 anos de existência, mantive, não os alterei, e estas caixas [de botões] foram feitas propositadamente à medida da prateleira.
Esta rua Cândido dos Reis, era o centro comercial de Sesimbra. Havia lojas… sapatarias, sete lojas de fazendas, mercearias, o velho restaurante do Chagas, a pastelaria Marzul (o Tomé), a Casa Mateus… era a rua número um de Sesimbra. Era aqui que as pessoas se abasteciam, desde a mercearia às sementes do João Rasteiro, pra semearem a terra; ao senhor Guerra, que tinha um papel importante com as pessoas do concelho. O posto de turismo também estava localizado na rua Cândido dos Reis.
A loja onde eu trabalhei, o Adelino José de Carvalho, era uma loja histórica, era a loja mais emblemática em relação a fanqueiro. A Loja do Povo. Estava sempre cheia. Chegámos a ser 11 empregados.

O que é que vendiam?
De tudo um pouco. Uma secção de retroseiro, uma secção de pronto a vestir – mas, quando eu comecei a trabalhar, ainda não havia pronto-a-vestir, compravam fazenda a metro e a respectiva retrosaria, com os acessórios: era a base do vestuário das pessoas: comprava-se, confeccionava-se, era feito por medida. E havia 44 costureiras em Sesimbra, posso até citar o nome: em fato de homem a Isidora, a Mariana Garanga (que era a número um), etc., etc. Depois havia as de fato de senhora: também havia a Clotilde Mendes, a mulher do senhor João do Gazcidla… As costureiras eram quase uma indústria de Sesimbra: era a mestra e mais dez ou doze raparigas, que trabalhavam com salários baixos, eram as aprendizes.

O turismo, teve muita influência no comércio?
Quando começaram a aparecer os primeiros turistas estrangeiros – franceses, nórdicos… – havia duas coisas que eles compravam: eram as mantas regionais, e eram os escoceses, o tecido a metro. Vinham a Sesimbra propositadamente para com- prar o escocês, porque ouve uma moda, nessa altura, que eram os chamados kilts, em que as mulheres começaram a fazer saias pregueadas e casacas do escocês, e as camisolas dos pescadores de Sesimbra. Isso foi um sucesso, na altura. Compravam metros e metros de escocês, para confeccionar.

Mas agora a situação é muito diferente?
A vida deu uma volta terrível. Com a chegada dos “centros comerciais” e com a chegada das novas tecnologias, e dos chineses, alterou-se completamente. O comércio a retalho tem tendência para o desaparecimento. Se não houver alguma mudança, que não vejo hipótese, é a extinção.

(…)

(leia a entrevista integral na nossa edição em papel)

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Director do jornal O Sesimbrense