Lixos aumentam no Parque Natural da Arrábida

Tem vindo a aumentar a deposição ilegal de lixos na Arrábida. Ao contrário do passado, em que eram frequentes os depósitos de materiais originários de obras de construção novas – cimentos, areias – agora são sobretudo restos de obras de remodelação: móveis velhos, persianas, entulhos. Francisco Rasteiro, do Núcleo de Espeleologia da Costa Azul (NECA), tem testemunhado este ressurgimento e assistiu mesmo ao despejo de cimento por um camião de transporte deste material.

A Arrábida, por outro lado, será notícia durante o corrente ano, por razões mais positivas: terão início as obras de instalação do Centro de Interpretação da Arrábida, na antiga escola básica das Pedreiras. Francisco Rasteiro deverá publicar um novo livro sobre a flora desta zona, e aguarda-se também uma evolução favorável da candidatura a Reserva da Biosfera.

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Francisco Rasteiro, nos seus frequentes percursos por toda a zona da Arrábida, tem sido testemunha dum acréscimo de depósito ilegal de lixos em zonas do Parque Natural, sobretudo de entulhos provenientes de obras de remodelação de casas:

Tem aumentado muito significativamente. Conforme vamos andando pelos caminhos, de dia para dia vai-se vendo o aumento de lixos, sobretudo de remodelações de casas, é o que se apanha mais – porque as grandes empresas já têm controlo, e as pequenas empresas, não.
Estas deposições têm surgido em toda a orla do Parque da Arrábida, mas sobretudo na sua orla: Está-se a verificar muito é na orla da serra. Normalmente material de casas velhas: móveis partidos, muros partidos, tijolo, vê-se que é de remodelações, não é como antigamente, em que se via outro tipo de materiais, como apenas cimento, ou apenas areia. Também aparecem plásticos pelo meio, persianas, e são coisas poluentes, que se vão espalhando pela serra. Também já vi um carro a despejar cimento, ali na zona da Achada.

O NECA realiza com regularidade operações de limpeza nas praias e enseadas menos acessíveis da costa marítima, que é para ali arrastado pelas ondas, ou que é mesmo deixado por alguns “turistas”. Contudo, o tipo de lixo originário de obras, pelo seu peso e volume, está fora das suas possibilidades.

As autoridades, quando detectam esta deposição ilegal de lixos em terrenos do Parque Natural, notificam os respectivos proprietários para a sua limpeza, mas trata-se de uma solução inviável: não são os proprietários que praticam a ilegalidade, mas sim desconhecidos. Além disso, as regras do Parque não permitem a construção de vedações nesses mesmos terrenos, e as deposições são feitas, muitas vezes, em caminhos rurais que, apesar de serem de propriedade privada, não podem ser vedados.

Sobre este problema, o presidente da Câmara Municipal de Sesimbra, Francisco Jesus, admitiu que “apesar das várias campanhas informativas e de sensibilização levadas a efeito pela Câmara Municipal, e das coimas previstas por lei, a deposição indevida e ilegal de resíduos no espaço público e em zonas de mata (neste caso concreto, no Parque Natural) é uma prática que continua a verificar-se, tanto em Sesimbra como noutros concelhos” – apesar desta autarquia  ter recentemente aberto ao público, os REMOVE, três espaços de deposição gratuita de monos domésticos e resíduos de hortas e jardins:

A entrada em funcionamento dos REMOVE foi acompanhada por uma campanha de comunicação que envolveu outdoors, informação em todos os contentores de lixo e envio de folheto juntamente com as faturas de água, para 30 mil lares. Desde a sua abertura, os REMOVE já permitiram a recolha de cerca de 200 toneladas de resíduos que, de outra forma, iriam, muito provavelmente, ter como destino a via pública ou zonas de mata. Para além destes três centros, a autarquia disponibiliza, há vários anos, a recolha ao domicílio bastando, para tal, fazer um telefonema para um número, que é disponibilizado em todos os contentores de lixo, no site e noutros materiais informativos do município. Os serviços municipais facultam igualmente sacos para entulhos de pequenas obras.

Ciente de que este trabalho não evita que continuem a existir algumas zonas “críticas”, onde se mantem a deposição indevida de resíduos, tanto junto de contentores como em zonas de mato (algumas delas em área de Parque Natural), o Presidente da Câmara esclarece que “Nestas situações, identificadas, tem havido um reforço dos meios de limpeza e de fiscalização, mas muitas vezes, pouco tempo após a recolha do lixo, os serviços passam no mesmo local e constatam que se verifica uma nova deposição ilegal.

Mesmo nas zonas do Parque Natural, onde este trabalho não é da competência da autarquia, esta tem procedido a várias recolhas de resíduos e apoiado campanhas com esse fim: “Muitas vezes são zonas de difícil acesso, em que esta recolha requer meios específicos. É o caso da praia do Ribeiro de Cavalo, onde a Câmara Municipal recolhe lixo por via marítima.”

Francisco Jesus afirmou ainda que a autarquia vai continuar a trabalhar, “tanto no terreno, como ao nível da sensibilização, para que este comportamento por parte de algumas empresas e cidadãos deixe de se verificar.

Centro de Interpretação

Em 2018 deverá ter início a instalação do Centro de Interpretação da Arrábida, na antiga escola básica das Pedreiras, à entrada daquela aldeia. A Câmara Municipal reservou, no seu Plano de Actividades, uma verba de 5 mil euros para adaptação do edifício e mais 4 mil euros para equipamento e outros bens. Quanto às actividades propriamente ditas – de investigação, divulgação e promoção – poderão contar com 30 mil euros.

O Centro de Interpretação é um equipamento essencial, quer para a divulgação da riqueza e diversidade ecológica da Arrábida – através de exposições, acções de formação, etc. – quer para acolhimento e enquadramento dos que pretendem usufruir da Natureza neste Parque Natural.

Recorde-se que o Plano Estratégico de Turismo de Sesimbra, aprovado pela Câmara Municipal em 2010, atribui à Arrábida um papel de destaque, sendo um dos principais recursos para o desenvolvimento estratégico daquele sector económico, a concretizar através de:

– Comprometimento activo do concelho com o Parque Natural da Arrábida (PNA)
– Dinamização e criação de interesse na estadia, em torno, fundamentalmente, do binómio mar/PNA
– Apropriação do PNA por parte dos sesimbenses

Os sesimbrenses, no entanto, é que não parecem muito ligados a esta riqueza natural, pois são poucos os que ali frequentam os circuitos de caminhadas ou de outras actividades desportivas e de lazer, apesar de estarem no “coração” do parque Natural. Na realidade, são sobretudo forasteiros os que usufruem desta riqueza.

Mesmo em termos culturais, a participação é mínima: a festa religiosa que se encontra mais intimamente associada à magnífica flora da Arrábida – a festa de Nossa Senhora de El Carmen – atrai muito poucos sesimbrenses, sendo mantida quase exclusivamente pela população das Pedreiras.

Um novo Guia de Campo

Francisco Rasteiro, autor dum notável livro sobre a vegetação da arrabidense – “Flora da Área Cársica do Concelho de Sesimbra”, publicado pela Câmara Municipal em 2009 – está a ultimar um novo livro sobre o mesmo tema, um verdadeiro “guia de campo” que regista um aumento do número de espécies botânicas por ele identificadas. Diz-nos Francisco Rasteiro que:

“O livro anterior tinha 306 espécies, e agora vou chegar perto das 500. Identifiquei, até agora, mais 160, e algumas muito raras. São raras porque: ou são indígenas de Portugal, ou são espécies que aparecem pontualmente no Alentejo, ou noutros pontos do país, e aparecem também aqui. Por vezes existem no Alentejo, em terreno completamente diferente do da Arrábida, e no entanto também aparecem aqui.”

Um aspecto que surpreendeu Francisco Rasteiro, e que estas novidades se localizam sobretudo na Serra da Achada:

“E é sobretudo na serra da Achada, Há um cardo, que eu andei 10 anos a tentar identificar, e só agora é que consegui, e que é um cardo raro do Alentejo, que é um cardo que dá flor, e à volta da flor tem umas coroas de espinhos, só para proteger a flor. E há uma outra planta, muito rara, que é da família dos espinafres e das acelgas, e que só existe na pontinha de Sagres, e também a identifiquei aqui na Arrábida. Era outra das que eu andava há anos para identificar. Há ainda duas espécies de valerianas, uma das quais muito rara, e que também existe na serra da Achada.”

Candidatura a Reserva da Biosfera

Prosseguem os trabalhos da candidatura da Arrábida a Reserva da Biosfera, uma classificação dada pela Unesco, e que surgiu como alternativa à candidatura a Património da Humanidade, da qual se desistiu em 2014, apos dois relatórios desfavoráveis de técnicos da Unesco.

Esta candidatura, que deverá ser formalizada em Setembro do corrente ano, não tem, nem o prestígio, nem a gama de consequências positivas da primeira. Enquanto as candidaturas a Património da Humanidade implicam a melhoria do sistema de gestão e conservação do património classificado, a Reserva da Biosfera não arrasta consigo, de modo significativo, qualquer obrigação especial, como admitiu recentemente o técnico Wieslaw Bodziony, membro da comissão de candidatura, numa sessão de divulgação que teve lugar em Sesimbra. E, apesar da Unesco preconizar o envolvimento “de forma activa, das populações locais” na candidatura, também não se conhecem acções significativas deste âmbito.

Um dos objectivos das Reservas da Biosfera é o de “contribuir para a transição para sociedades verdes, promovendo opções para um desenvolvimento verde, tais como o turismo sustentável e a formação para eco-empregos” – ou seja, empregos em actividades que ajudam a proteger os ecossistemas e a biodiversidade. Que assim seja.

 

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Director do jornal O Sesimbrense