Sandra Cunha

O jornal O Sesimbrense inicia um ciclo de entrevistas a deputados eleitos pelo circulo eleitoral do distrito de Setúbal e/ou dirigentes partidários locais. Iniciamos este ciclo com a deputada Sandra Cunha, eleita pelo Bloco de Esquerda e residente na freguesia da Quinta do Conde:

Cinco anos após a primeira entrevista que deu a’O Sesimbrense, que balanço faz dos dois mandatos pelo BE na Assembleia da República?
Na realidade o segundo mandato está agora a iniciar. Em 2015, a solução de maioria parlamentar de apoio ao governo minoritário do Partido Socialista foi a solução que permitiu reverter as políticas austeritárias e recuperar rendimentos. Isso, foi obviamente muito positivo. E esse balaço deve ser reconhecido. Mas os avanços alcançados ainda que importantes, foram insuficientes. O investimento público foi mínimo e as regras laborais introduzidas pelo Governo PSD-CDS e pela Troika não foram revertidas. Isso teve consequências significativas na capacidade de resistência do país a esta pandemia e a esta crise devastadora. Este segundo mandato está no início e tem a particularidade de enfrentar uma das maiores e mais amplas crises das nossas vidas. O Governo tem respondido com placebos. Portugal foi um dos países da Europa que menos investiu para combater a pandemia. O orçamento suplementar autorizou o Governo a aumentar a despesa orçamental em 4,5 milhões, mas desse valor o Governo não gastou nem investiu um cêntimo. Perante a emergência social, quando vários governos desenham respostas com investimento público musculado, a preocupação do Governo Português tem sido com a dívida pública e com ser o melhor aluno de Bruxelas. Tudo isto não augura um bom balanço para este segundo mandato.

Como vê a capacidade produtiva do distrito de Setúbal?
Há uma base industrial e uma força de trabalho de qualificações médias que poderá ser muito útil para entrar em novas áreas com grande potencial, nomeadamente nas tecnologias de informação, na eletrónica, nas energias renováveis ou na biotecnologia. Para isso é preciso diversificar mais o tecido produtivo, sem esquecer atividades tradicionais ligadas ao turismo sustentável ou à pesca ou agricultura em certos nichos de mercado, nomeadamente ligados à de produção biológica. Acresce que as instituições de ensino superior do distrito de Setúbal podem dar um grande apoio na investigação.

Na década de oitenta do século passado era latente a fome, a pobreza e o desemprego numa região deprimida, quarenta anos depois o espectro da fome, do desemprego e da pobreza poderão regressar à Península de Setúbal?
A pandemia trouxe consigo, para além da crise sanitária, uma crise social e económica que poderá bem vir a ser uma crise sem precedentes no nosso tempo de vida. Para nos protegermos da crise sanitária aprofundamos a crise sócioeconómica. Não teria de ser assim se as escolhas políticas do Governo protegessem efetivamente a economia, o trabalho e o salário. A pandemia veio agravar aquela que era uma situação já latente no distrito de Setúbal. A precarização do trabalho, baixos vencimentos, falta de respostas sociais por parte do governo e autarquias aliadas à falta crónica de investimento público na habitação e na saúde são elementos que potenciam a crise social e consequentemente a pobreza. O Bloco de Esquerda defende que outra via é possível. São fundamentais respostas efetivas e consequentes como desde o investimento no Serviço Nacional de Saúde, a reversão das regras laborais da Troika que estrangulam os direitos dos trabalhadores, a proteção do salário e do trabalho, proibição dos despedimentos às empresas apoiadas com fundos públicos, reversão da precariedade, proteção de quem tudo perdeu e dos trabalhadores informais, apoio aos vários setores da economia. Sem isso, sim, o espectro da fome, do desemprego e da pobreza regressarão à Península de Setúbal e ao resto do país.

O distrito de Setúbal está integrado na Área Metropolitana de Lisboa e mantém a NUTS II (Nomenclatura das Unidades Territoriais para fins estatísticos) mas continua sem acesso aos fundos comunitários em virtude de ter um produto interno bruto superior à média da Europa. São notórias as diferenças entre as duas margens rio Tejo e tendem a agravar-se, estão previstas algumas iniciativas na Assembleia da República?
A inclusão de vários territórios na Área Metropolitana de Lisboa criou uma evidente situação de injustiça relativa já que os territórios incluídos na AML possuem níveis de desenvolvimento significativamente diferentes. Os territórios economicamente mais frágeis e com piores condições ficaram prejudicados nos acessos a diversos financiamentos, como é o caso da Península de Setúbal. Por outro lado, é igualmente certo que a inclusão na AML poderá também significar algumas vantagens como foi, por exemplo, o caso das medidas relativas ao passe social. Uma solução passa por considerar algumas exceções ou regras diferenciadas para acesso aos fundos, mas a solução não é simples e importa acautelar várias matérias assim como as vantagens e desvantagens das diversas soluções. O governo tem evitado este problema que está nas suas mãos resolver. Esta é uma preocupação do Bloco de Esquerda e estamos a analisar soluções.

Acompanha permanentemente o concelho de Sesimbra?
Os deputados e deputadas acompanham áreas especificas em todo o país, mas obviamente acompanho de perto os vários concelhos do distrito de Setúbal, círculo eleitoral por onde fui eleita.

Como avalia o desempenho do concelho de Sesimbra em termos sociais, econômicos e culturais?
Sesimbra mantém um défice grande de infraestruturas, o que dificulta a integração dos seus habitantes num projeto comum. Para se circular entre a Vila de Sesimbra e a Quinta do Conde é preciso ir aos limites do concelho e entrar nos concelhos vizinhos (Seixal ou Setúbal). Os transportes são escassos, é mais fácil chegar a Lisboa do que circular entre as freguesias. Muitos estudantes do secundário são obrigados a frequentar escolas secundárias de outros concelhos por falta de capacidade. Por outro lado, a atividade económica está muito dependente de um turismo de massas e é profundamente sazonal. É preciso qualificar o turismo em direção a atividades a montante e a jusante que gerem emprego mais qualificado para os nossos jovens e não apenas trabalho indiferenciado. Finalmente, em termos culturais há muito por fazer, seja para integrar a oferta cultural numa estratégia de desenvolvimento mobilizadora, seja para estimular a vertente da criação endógena, seja ainda no domínio da criação de públicos dedicados. Há um potencial por aproveitar.

Que iniciativas o BE tem para levar ao Hemiciclo relativamente ao concelho de Sesimbra?
As propostas do Bloco de Esquerda são de defesa do trabalho e do salário, de reversão das regras laborais da Troika, de proteção social e investimento público na área da saúde, educação, transportes e comunicação, mas também no ambiente e economia com efeitos em todo o país, incluindo Sesimbra, que como sabemos tem as suas especificidades quer seja no tecido produtivo, no ambiente e mesmo no tecido social.

A questão da mobilidade concelhia e distrital tem vindo a público nas redes sociais e agravou-se devido à pandemia, com a supressão de carreiras, alterações de horários, prejudicando os passageiros no seu dia a dia: considera que estão encontradas as soluções para a AML relativamente à mobilidade entre concelhos?
O governo autorizou 1,5 milhões de euros extraordinários para as áreas metropolitanas para fazer face a percursos e linhas mais pressionadas durante a pandemia, permitindo o recurso a autocarros de turismo (que estão sem atividade) para esses serviços e por forma a assegurar a segurança e regras de distanciamento. No entanto, consideramos que ainda é preciso conhecer exatamente que os reforços que vão existir, em que zonas e entre que concelhos.
Como temos vindo a alertar, trata-se de um investimento necessário para que todas as pessoas tenham condições de segurança sanitária nos transportes públicos. Estas medidas extraordinárias não anulam obviamente a urgência do investimento em políticas de mobilidade, nomeadamente e no que respeita ao distrito de Setúbal, na travessia fluvial do Tejo assim como na rede de autocarros e na progressiva transição dos transportes públicos para a esfera pública.

Em que ponto está a questão da construção do hospital Seixal/Sesimbra?
A boa notícia é que existe atualmente uma verba prevista no OE2021 para arranque da obra do Hospital Seixal-Sesimbra. A má notícia é que pelo menos desde 2016 os orçamentos preveem verbas para o efeito, mas o Governo adia, sucessivamente, este investimento tão fundamental.

O processo da escola secundária da Quinta do Conde teve algum desenvolvimento?
Apesar da aprovação na Assembleia da República, em 2016, de quatro projetos de resolução recomendando ao Governo a construção da nova escola secundária da Quinta do Conde, o certo é que passados quatro anos, nada saiu ainda do papel. A construção de uma nova escola secundária na Quinta do Conde não integra o mapeamento dos investimentos em escolas inscrito nos Pactos para o Desenvolvimento e Coesão Territorial dos Programas Operacionais Regionais do Acordo de Parceria Portugal 2020, o que impede a mobilização de fundos comunitários.
A escolha do Governo parece ser, não a de considerar em sede de Orçamento de Estado o investimento necessário para o reforço da Escola Pública designadamente para a construção desta escola secundária, mas sim a de considerar outras soluções. Sabemos que o Governo pondera a expansão da atual escola secundária Michel Giacometi em vez da construção de uma nova, por ser mais rápido, mais barato e mas exequível.

 Devido à pandemia irão certamente encerrar empresas no concelho e no distrito, com o consequente aumento do número de desempregados. Que iniciativas legislativas tem o BE para apresentar?
O Bloco de Esquerda tem alertado várias vezes para a necessidade de proteger quem perdeu e perde o trabalho e rendimentos, proteger o emprego e o salário, combater a precariedade, investir e reforçar o serviço nacional de saúde. As propostas que o Bloco de Esquerda apresentou para o OE 2021 já começaram a ser rejeitadas com o voto contra do Partido Socialista. Muitas dessas propostas já faziam parte do OE2020, resultantes do acordado entre o Bloco de Esquerda e o Governo e que não foram cumpridas. O Bloco de Esquerda considera que a lei laboral tem de ser revista para proteger o emprego, impedir abusos laborais e combater a precariedade: a compensação por despedimento deve ser de 20 dias por ano de trabalho e 30 dias no caso de cessação de contrato a termo. É urgente impedir mais despedimentos proibindo-os em empresas com lucros e em empresas que têm apoios públicos e com efeitos nos trabalhadores dos quadros, mas também nos precários. Importa acabar com a caducidade unilateral da contratação regressar ao anterior prazo de período experimental já que o seu alargamento resultou em mais gente despedida sem qualquer compensação e sem qualquer apoio social. O Bloco pretende ainda retomar os valores anteriores às políticas de austeridade no que respeita ao valor e à duração quer do subsídio de desemprego, quer do subsídio social de desemprego. Urge também, obviamente, proteger quem tudo perde. Por isso é tão importante a criação de um apoio extraordinário ao rendimento dos trabalhadores que assegura que ninguém vive abaixo do limiar da pobreza. Os trabalhadores informais serão igualmente alvo de proposta por parte do Bloco de Esquerda.

 Com a pandemia agravaram-se os problemas económicos e sociais, quais os extratos sociais que estão a pedir ajuda atualmente?
São os setores da população mais atingidos pela crise: por um lado, os trabalhadores da restauração, hotelaria e turismo nas freguesias de Santiago e Castelo; por outro, os trabalhadores que habitam na Quinta do Conde ligados a empresas em vias de encerramento ou de diminuição dos postos de trabalho (precários) do distrito de Setúbal ou Lisboa, mais aqueles que desempenham tarefas de limpezas e manutenção em instalações dispensadas pela emergência do teletrabalho.

Como deputada tem conhecimento de casos de pobreza e de exclusão social no concelho?
Infelizmente sim. Conheço situações de dificuldade significativas e situações dramáticas de verdadeira emergência social. O Bloco de Esquerda tem procurado acompanhar, apoiar e encaminhar estas situações.

 O Bloco de Esquerda já escolheu o candidato(a) a presidente da Câmara Municipal de Sesimbra?
Neste momento estamos focados no apoio à candidatura presidencial da Marisa Matias. O processo das autárquicas no BE será, como sempre, um processo democrático com a participação de todos os aderentes do Bloco.
João Silva

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Director do jornal O Sesimbrense