Com uma importante intervenção política e cívica em Sesimbra, quer na Câmara quer na Assembleia Municipal, a professora Odete Graça terminou recentemente as suas funções como Presidente deste último órgão autárquico. Nesta entrevista, relembra os principais pontos da sua intervenção política, onde se destacou por ter alargado a atividade da Assembleia Municipal a iniciativas como a Assembleia Municipal de Jovens e as conferências e publicações sobre as Escolas Conde de Ferreira.
João Silva
Como se iniciou a sua participação na atividade política?
Na realidade a minha participação política ocorre no período do 25 de abril quando eu trabalhava na Direção Geral de Desportos no âmbito da dinamização e promoção da atividade desportiva nas diferentes regiões do país, junto de vários setores da população e em várias áreas desportivas. Globalmente as prioridades estavam relacionadas com projetos específicos como por exemplo, o apoio ao movimento associativo, a formação de monitores em várias modalidades, a criação de condições para a construção de parques infantis e espaços desportivos, a edição de documentação especifica e a criação de delegações distritais com capacidade de intervir na região e no país. Foi um período de grande importância para a minha formação política, já que tive a oportunidade de conhecer o país real e de poder dar o meu contributo na criação de condições para uma prática desportiva junto dos vários setores das populações, integrando um projeto que se chamava “Alfabetização Desportiva” com as equipas das Formas Armadas. Aliás, tinha o grande compromisso de ser a responsável pela Educação Física no Ensino Primário com o projeto MODI – Movimento do Desporto Infantil. Foi uma aprendizagem para a vida que jamais poderei esquecer.
Foi 1ª secretária da Mesa da Assembleia Municipal de Sesimbra entre 1980 e 1985 – foi esse o seu primeiro cargo efetivo?
Na realidade, já como professora efetiva em Sesimbra, fui então convidada pela APU para integrar as listas da Assembleia Municipal e fui eleita 2ª secretária, tendo como Presidente o Dr. Aurélio de Sousa, que ainda hoje considero como o meu “mestre”, e por quem sinto uma grande admiração. Foi para mim uma referência importante e foi naturalmente o princípio da minha participação na vida autárquica em Sesimbra. No mandato seguinte também integrei a mesa da Assembleia como 1ª secretária com o Dr. Miguel Alarcão Bastos como Presidente.
No período em que foi Vereadora e Vice-Presidente da Câmara, quais foram os seus pelouros?
Quando assumi as funções de vereadora, em 1986, foram-me atribuídos os pelouros de Educação, Cultura, Desporto, Juventude, Saúde, Ação Social e Turismo.
É um facto que em todas as áreas, e tendo presente a distância de três décadas que nos separa entre esse período e o momento atual, as diferenças são muito significativas. As condições são também muito distintas, não só no quadro de necessidades, mas igualmente no quadro legal vigente, acrescido de mais responsabilidades atribuídas às câmaras municipais. Desde o quadro de pessoal que coordena as próprias estruturas, as condições financeiras disponíveis, as exigências do setor da educação, a melhoria, construção e manutenção de novos equipamentos educativos… e se hoje Sesimbra é uma referência na Educação será certamente porque a prioridade no setor foi assumida com grande determinação.
De igual modo, também a intervenção na área social surge hoje com mais carências de meios para cooperar no acolhimento das famílias e instituições que dedicam a sua intervenção às populações mais desprovidas de meios e recursos. Aliás, veja-se o que vivemos recentemente com a pandemia e com todo o processo de confinamento e as consequentes necessidades de apoio, onde a câmara e as juntas de freguesia tiveram um papel fundamental. Também na saúde, embora sem a intervenção direta do Município, a realidade hoje é bem diferente de há uns anos atrás. De facto, o município surge com um papel mais ativo e até reivindicativo, embora o Governo deseje que os municípios assumam mais responsabilidade na intervenção das necessidades de equipamentos, como tem sido o caso do Centro de Saúde de Sesimbra e Quinta do Conde.
No que se refere ao Desporto, não só começámos com a realização de um Encontro sobre o Movimento Associativo como elaborámos um plano de desenvolvimento desportivo para o concelho, que integrava o apoio ao movimento associativo e aos clubes do concelho, a promoção da atividade desportiva no 1º ciclo do ensino básico, a criação de planos de desenvolvimento de diferentes modalidades desportivas, a dinamização das Olimpíadas Populares, inspiradas no espírito e nos valores do Olimpismo. Este projeto integrava o setor escolar, modalidades de exibição, recolha e dinamização dos jogos populares, e outras atividades de carater lúdico. Vivíamos um período em que o movimento associativo começava a melhorar as suas instalações e a criar as estruturas desportivas com a intenção de mais modalidades, as quais se enquadravam nos critérios de apoio ao setor. Foi um período de grande crescimento, Porém hoje a realidade é outra, quer pelo surgimento de novas atividades desportivas associadas ao dinamismo dos clubes, e até de empresas locais com mais modalidades, mais técnicos qualificados e mais participação de jovens, quer através da promoção turística que se tem verificado com o aproveitamento da nossa costa de mar.
Quanto à Cultura … a realidade de hoje é bem diferente. Sem dúvida que as condições e os recursos são hoje muito distintos e ainda bem. Foram dados passos muito significativos em especial nos últimos anos. Veja-se o caso do Cabo Espichel, que de há muitos anos, vários executivos tiveram uma particular atenção sempre presente nas longas negociações, cujos passos foram sempre morosos, mas decisivos, para a sua concretização, e hoje estamos perto da sua beneficiação. Mas também a Fortaleza de Santiago foi um processo longo e hoje o Museu Marinho é uma referência nacional através da dinamização de ações de âmbito cultural. A edição de documentação diversificada, a criação de programas educativos, o Castelo de Sesimbra e a Capela de S. Sebastião e tantos outros equipamentos e espaços culturais que são hoje referência no país e no mundo.
Um dos pelouros foi o turismo, como analisa a evolução ao longo dos anos em Sesimbra?
O âmbito do pelouro do turismo tem crescido consideravelmente no que diz respeito a mais unidades hoteleiras, mais emprego e mais oferta, e sobretudo mais dinâmica na representação de Sesimbra em mercados internacionais integrada numa região mais ampla como Lisboa.
As estruturas associativas do setor são também hoje não só mais dinâmicas, mas sobretudo mais “agressivas” no que se refere ao seu potencial plural de vários mercados.
Quais as realizações que mais a orgulham?
No campo da animação turística, sem dúvida, as ações de gastronomia foram pontos altos que na época ajudaram a valorizar a nossa oferta turística. Assim, nasceram nesse período, “A semana do Peixe e do Marisco” na Páscoa, a “Semana do Espadarte” em setembro e integrado no Festival do Mar, sem esquecer o papel importante que na época foi assumido pelos comerciantes locais com a criação de estruturas representativas do setor. A criação do Festival do Mar foi sem dúvida o que mais se afirmou no concelho com expressão regional e até nacional, tendo como objetivo valorizar as nossas tradições, mas também ajudar a quebrar a sazonalidade, tendo o MAR … como tema central de todas as ações. As diferentes iniciativas desenvolviam-se sempre nesta base, como foi o caso de seminários, exposições, espetáculos, Feiras de Artesanato e Feira do Mar, recuperação de tradições – Travessia da Baia, Prova de Sesimbra, Regata de Aiolas, Folclore, enfim, foi um Festival que marcou a época e afirmou Sesimbra de forma muito positiva.
O Desporto, sua área de formação, foi também a área em que desempenhou a atividade profissional e editorial. A prática do desporto, ao nível local, mudou muito ao longo das últimas quatro décadas?
Como já tive oportunidade de referir, sempre defendi, e contínuo a defender, que o Desporto deve assumir um papel importante no quadro autárquico dado a sua vertente social, cultural, económico e até turístico. É óbvio que quando falo de Desporto não me estou a referir exclusivamente ao Futebol, que como se sabe infelizmente “abafa” as restantes modalidades. Cada vez mais se considera que a prática diária de exercício físico tem reflexos muito positivos na vida das pessoas e na saúde em termos globais. Também se sabe que a responsabilidade do nosso Movimento Associativo tem assumido uma dinamização da atividade desportiva, muito positiva, mas não só … também a dimensão cultural e social tem sido muito significativa no nosso concelho, com particular realce nos escalões mais jovens. Também deve ser reconhecido o papel do Desporto na Escola, enquanto contributo fundamental na formação dos jovens como fator educativo e de grande valor social e cultural.
Mas a componente turística é igualmente importante para Sesimbra considerando as grandes possibilidades das nossas caraterísticas de mar e terra. Por fim a recuperação de tradições, que nasceu nesse período, como foi o caso da Travessia da Baía e a Regata de Aiolas, são duas referências de indiscutível valor recreativo e social …. Que ainda hoje se mantém e bem, como uma referência para as gentes sesimbrenses. É evidente que a mutação social e desportiva tem sofrido sucessivas transformações, também fruto de novas influências desportivas, até mesmo no setor privado, mas em nada se altera no que se refere à intervenção da autarquia como papel cooperante na criação de condições para a prática desportiva dos diferentes setores da população. Compete, em meu entender ao município, a criação de um plano de desenvolvimento desportivo que contemple todas as áreas assumindo um papel estratégico para o concelho.
A mesma pergunta para a participação cívica e política: melhorou muito ao longo destas décadas?
Como sabe a componente da Educação Cívica e a sua integração na atividade curricular tem merecido um papel de destaque nas escolas junto dos diferentes escalões etários e até ciclos escolares. A sensibilização dos professores para estas matérias é determinante para a sua consolidação e promoção junto dos seus alunos a integrar nos respetivos projetos educativos. Também a comunicação social e muitos protagonistas e comentadores políticos, mas sobretudo pedagogos, são igualmente unânimes em considerar o papel importante que compete à escola na formação das crianças e jovens enquanto intervenientes no processo cívico e participativo na sociedade.
Foram estes parâmetros que levaram a Assembleia Municipal a criar o Projeto da Assembleia Municipal de Jovens, que já tem 18 anos de vida e que ano após ano se tem consolidado na vida das escolas com o empenho dos professores e a adesão dos alunos. Permitir que os alunos tenham um conhecimento do funcionamento do Poder Local, contatar com as realidades locais da comunidade e assumir o seu papel de “Jovens-Eleitos” é, e foi uma experiência que certamente a todos envolveu e com contributos para o seu futuro.
Daí que todos nós e Sesimbra também, se pode orgulhar de ter um projeto para jovens e com jovens que é uma prática séria, positiva e cooperante para a formação cívica e política dos jovens.
A Assembleia Municipal de Jovens foi uma das suas iniciativas mais marcantes neste domínio da participação cívica e política: que balanço faz?
Considero que pelo facto deste projeto já ter 18 anos é a prova cabal que o mesmo tem assumido um papel importante quer nas responsabilidades de coordenação da Assembleia, quer na vida dos jovens, professores e também no âmbito da atividade pedagógica dos próprios Agrupamentos. Ao longo destes anos o projeto tem estado integrado no projeto educativo das respetivas escolas e deste modo ele contribui de forma muito séria para a formação de mais de 600 jovens que anualmente vivenciam práticas democráticas, desde o “Eleito por um Dia”, a Eleição da Mesa da Assembleia, e até a realização da própria sessão. Recentemente estava perspetivada a possibilidade do” Deputado por um Dia”, mas a situação da pandemia não permitiu o contato e a implementação deste novo patamar de conhecimento. Entretanto o AMJProjeto, criado recentemente, tem permitido a cada “bancada escolar” construir um projeto da sua autoria para o qual lhe é atribuído o valor de 1000€ com vista à sua concretização. Foram extremamente importantes as visitas que se realizavam anualmente aos diferentes locais que tinham por objetivo contribuir para o melhor conhecimento do tema central em debate na sessão. As viagens a Bruxelas e a Estrasburgo foram igualmente fundamentais para que os alunos pudessem adquirir conhecimento acerca do funcionamento das instituições europeias e o seu papel em cada um dos países da Europa. Mas a visita à Assembleia da República, Comité Olímpico de Portugal, Instituto Português do Mar e da Atmosfera, locais ligados ao setor das pescas e do ambiente no concelho em Sesimbra outros locais de interesse local e regional, foram motivos para uma maior integração dos jovens na vida local. Alias, mesmo em período de pandemia, nomeadamente na última edição, foi possível vivenciar as diferentes fases do projeto com a grande ajuda dos professores e também dos alunos que comunicavam via on-line.
E já agora também será oportuno realçar a participação dos “jovens – eleitos” na cerimónia de Instalação dos órgãos autárquicos do Município, onde não só contribuíram e participaram num acontecimento publico importante, como igualmente foi mais uma experiência que certamente jamais irão esquecer. Espero eu!
Continuará a organizar e a fazer parte dos trabalhos da Assembleia Municipal de jovens ou essas funções tramitarão para o novo presidente da Assembleia Municipal de Sesimbra?
Não tenho dúvidas que o atual presidente da Assembleia Municipal se irá envolver na dinamização e coordenação deste projeto, assim como outros líderes de bancada que tiveram oportunidade de vivenciar de perto este projeto, o qual já alcançou grande prestígio e reconhecimento a nível regional e até nacional, alias também acredito que as escolas e os respetivos professores venham a aderir e continuar com o seu trabalho de mobilização de alunos no campo da cidadania e da sua participação cívica. Também estou convicta que no âmbito da própria Assembleia municipal haja vontade e empenhamento na continuação deste projeto … a 19ª edição.
Foi presidente da Assembleia Municipal entre 2005 e 2021, e calculamos que tenha havido períodos de maior conflitualidade entre as bancadas: pode dar-nos exemplos de alguns debates mais difíceis?
Na realidade cada sessão e em cada mandato houve diversas vicissitudes e particularidades neste longo do período de 16 anos. Logo no início do 1º Mandato (2005/2009) a composição da Assembleia colocava em cada momento a dúvida das suas deliberações. Dai a importância do funcionamento da Comissão de Líderes, que ainda hoje funciona e bem, e sempre permitiu preparar os trabalhos e funcionamento das sessões agendadas. Também a criação e funcionamento das várias Comissões especificas cooperaram para um melhor funcionamento do órgão e dos temas em debate.
Gostaria de sublinhar que a maior conflitualidade das diferentes bancadas era habitualmente mais “acalorada” nos documentos inscritos em PAOD – Período Antes da Ordem do Dia – onde a visão política e ideológica, era mais evidente. Porém é importante realçar que quando se tratava de assuntos de interesse para o Município, era evidente um esforço coletivo para obter a unanimidade. Sempre tive uma excelente relação com todos os líderes e deputados/as que ao longo do período da presidente e de deputada de todos sempre recebi amizade, frontalidade e empenho no trabalho a favor do melhor funcionamento das sessões e dos diferentes projetos que a Assembleia dinamizava. E tanto assim que na sessão da assembleia municipal realizada a 30 de abril e com total surpresa minha … pois tudo foi preparado e organizado às escondidas(!) foi apresentada e votada por unanimidade, uma Recomendação para que me seja atribuída da Medalha de Ouro do Município a realizar no próximo dia 4 de maio. Certamente que acreditam que para além da muinha grande surpresa fica também o reconhecimento e amizade sincera partilhada por todos os/as presentes.
Neste longo percurso… seria ingrato da minha parte se não enaltecesse a prestação e cooperação de todos os trabalhadores e técnicos que comigo vivenciaram projetos, sessões, debates, momentos de trabalho e partilha de saberes entre todos, porque para alem das funções de eleitos e ou técnicos e trabalhadores somos pessoas … que partilham vidas e trabalho com o objetivo de serviço publico.
Tem sido fácil, ou difícil, a fiscalização da atividade da Câmara Municipal pela Assembleia, neste período da sua presidência?
Como sabe, uma das principais responsabilidades da Assembleia é ter uma ação fiscalizadora da atividade da Câmara e sobre essa matéria os assuntos foram sempre conhecidos e debatidos entre os dois órgãos autárquicos, Câmara e Assembleia, com respeito e independência. Desde sempre contámos com a presença e disponibilidade dos respetivos Presidentes – Augusto Pólvora e agora Francisco Jesus – bem como dos respetivos vereadores, alias, sempre que as matérias o justificavam, era fundamental a presença de técnicos que nos ajudavam a compreender e conhecer melhor os respetivos documentos.
A questão fundamental não era a relação entre os órgãos, mas sim a notória falta de condições que os deputados municipais e a própria Assembleia ainda têm. Ou seja, é muito difícil exercer esta função de fiscalizar quando não têm tempo disponível entre a sua atividade profissional e as responsabilidades autárquicas. É fundamental a alteração da lei que possa definir outro quadro de condições de trabalho, caso contrário será sempre difícil cumprir cabalmente esta função fiscalizadora.
Recordamo-nos de um debate promovido pela Assembleia Municipal, com quatro presidentes de Câmara, em junho de 2007, que se tornou difícil de gerir, particularmente devido às intervenções do anterior presidente Ezequiel Lino: o que recorda dessa sua difícil missão?
Recordo-me bem desse acontecimento, já que o mesmo se enquadrava numa sessão dedicada à “Comemoração dos 30 anos do Poder Local”, mais concretamente na iniciativa “Encontros com o Poder Local” em que se pretendia estabelecer contatos entre as diferentes épocas ou mandatos de gestão autárquica onde cada um dos Presidentes, desempenhou um papel importante, embora cada um tivesse vivido períodos diferentes, também tinham referências do passado diferentes e nem sempre foram apaziguadoras … ou pacificas. Todos tinham marcas do passado muito fortes e com diferentes perspetivas sociais e políticas. Todos afirmavam o seu trabalho, embora alguns tivessem sido unanimes quanto à melhoria das condições de vida das populações, em que se pretendia estabelecer contatos entre as diferentes épocas ou mandatos de gestão autárquica onde cada um dos Presidentes, desempenhou um papel importante.
Os quatro convidados eram Aurélio de Sousa, Ezequiel Lino, Amadeu Penim e Augusto Pólvora – embora este último presidente ainda com curto tempo em funções. Mas na realidade foram quatro homens que fizeram história e marcaram a vida dos sesimbrenses, mas neste contexto guardo com amizade esses momentos … vividos em plenário e em direto … da iniciativa e responsabilidade da Assembleia Municipal que deliberou comemorar os 30 anos do poder local… situação que se repetiu com as comemorações de “4 décadas de abril” em que a Assembleia assumiu igualmente a sua coordenação e responsabilidade. Ficamos a aguardar as comemorações dos 50 anos do 25 de abril.!
Acha que deveria haver maior participação das populações nos trabalhos das Assembleias Municipais?
É fundamental e desejável … que as populações possam participar mais nas sessões da Assembleia Municipal, mas também diria o mesmo sobre as reuniões de câmara, bem como nas próprias sessões das Assembleias de freguesia. Perante este afastamento, foi inevitável a criação de sessões descentralizadas e deste modo fomos ao encontro dos munícipes através da realização de sessões da Assembleia nas sedes do movimento associativo do nosso concelho. Foi muito positiva esta estratégia porque na realidade a participação dos cidadãos foi maior. Mas quando eram debatidas matérias especificas, como foi por exemplo a aprovação do Plano de Urbanização da Quinta do Conde, ou a Intervenção no Casal do Sapo, a participação e intervenção dos cidadãos foi muito significativa. Esta perspetiva que decorreu ao longo dos últimos anos é em nosso entender uma motivação forte para que haja mais participação dos munícipes nas sessões e ou reuniões da Assembleia… porém esta preocupação deve manter-se de forma regular e normal.
Como analisa a participação das mulheres na vida política no concelho de Sesimbra ao longo destes anos?
Bom … é uma matéria que me é muito cara dada a perceção que tenho das dificuldades que a mulher ainda hoje vive acerca da sua participação nos órgãos do Poder Local. É evidente que as dificuldades não são apenas na área política, pois a mesma situação ocorre em vários campos da nossa sociedade nomeadamente, no emprego, na direção de empresas, nas estruturas associativas, nas regras de funcionamento de várias atividades laborais, no Desporto e outras áreas, onde são globalmente as mais desprotegidas ou sancionadas.
É evidente que a participação da mulher, na vida política do Concelho, no Poder Local, é ainda diminuta, mas de grande altruísmo, considerando os períodos após o 25 de abril. Podemos destacar e saudar as pioneiras no nosso concelho como foi o caso de Rosa Amigo e Conceição Morais. Rosa Amigo, como 2ª secretária na mesa da Assembleia Municipal no mandato de 1977-1979 e como vereadora da Câmara Municipal entre 1980-1982, e Conceição Morais como 2ª secretária da mesa da Assembleia de Freguesia de Santiago em 1977-1979 e no mandato seguinte assumindo o cargo de presidente da Junta da mesma Freguesia. e no mandato seguinte assumiu o cargo de presidente da mesma Freguesia. No mandato de 1986 – 1989 Conceição Morais é a primeira mulher sesimbrense a desempenhar o cargo de presidente da Assembleia Municipal de Sesimbra. Mulher de lutas e de garra pela sua terra!
Se esta situação ocorreu nos anos 80, hoje não é tão diferente … basta relembrar que perante um estudo que a Assembleia Municipal dinamizou ao longo dos últimos três mandatos, junto das respetivas Assembleias e Câmaras Municipais dos 18 concelhos da Área Metropolitana de Lisboa – AML, procurando conhecer o número de mulheres nos respetivos órgãos, e também nas diferentes Juntas e Assembleias de Freguesia, as conclusões não são muito positivas. Só para realçar basta dizer que a mulher apenas assume uma percentagem mais elevada no cargo de 2.ª secretária nas 18 Assembleias Municipais … de resto a situação é sempre de menoridade. A mesma situação ocorre nas Assembleias de Freguesia. Temos um longo caminho a percorrer para que a mulher seja reconhecida na sociedade nos seus diferentes campos da vida social, cultural e política. Não basta respeitar a Lei da Paridade na construção das listas aos Órgãos Autárquicos, é igualmente determinante um maior envolvimento das mulheres na linha da frente na conquista de mais e melhores condições e com as mesmas oportunidades na sociedade e na comunidade em especial.
Mas promoveu também outros debates ou conferências, sobre temas diversos, como o do Centenário da República, bem como publicações sobre as Escolas Conde de Ferreira. Porque é que é importante que as Assembleias Municipais alarguem o campo da sua intervenção para além do estrito cumprimento das suas funções políticas?
Sempre considerei que para além das responsabilidades legais que são conferidas às Assembleias Municipais é desejável que este órgão autárquico, alargue o seu campo de intervenção enquanto promotor de práticas políticas que ajudem a sensibilizar as populações para uma intervenção cívica mais regular e ativa. A realização de sessões descentralizadas é importante, mas é também fundamental desenvolver ações de carater histórico, de debate sobre o Poder local e outras matérias de interesse local, edição de livros, reflexão de temas ou até de valorização de individualidades ou instituições, como é o caso do Prémio Espichel. Tudo isto pode também contribuir para a valorização deste órgão autárquico e da sua projeção no âmbito da comunidade e das instituições locais e regionais. Mas para além destes aspetos que podem ser promovidos localmente e segundo a vontade política da própria assembleia e dos seus deputados, mas em boa verdade a dignificação do órgão quando a própria lei permitir melhores condições de trabalho para o desempenho, quer da própria mesa, com realce para o seu presidente quer para todos os deputados. Há de facto uma lacuna na lei que nos coloca como… quase “voluntários da política” em que a entidade laboral nem sempre aceita … bem, as despensas para o exercício do seu mandato, embora previstas na Lei.
No caso concreto das publicações/conferências sobre as Escolas Conde de Ferreira, de indiscutível mérito, o que é que justifica a sua iniciativa pela Assembleia Municipal, tendo uma natureza mais executiva? É apenas porque as sessões têm lugar numa antiga destas Escolas?
No que se refere ao estudo e valorização das Escolas Conde de Ferreira, este esteve relacionado com o facto do edifício Escola Conde Ferreira, hoje Auditório, inaugurado em 2000, ser o local onde a Assembleia tem os seus serviços e realiza as sessões e reuniões e por ter feito um levantamento e obtido o conhecimento histórico de que tinham sido construídas cerca de 120 Escolas Conde de Ferreira no país, nos fins do século XIX, em conformidade com o que estava descrito no seu testamento. Daqui nasceu o interesse em saber qual era a localização destes edifícios escolares e qual era a sua função atual. Este levantamento decorreu durante algum tempo e contou com a participação dos 308 municípios, para além do esforço dos serviços da Assembleia constituídos por Laura Farinha, Elsa Polido, Natália de Jesus e Catarina … O resultado deste trabalho agora publicado em Livro, já na 2ª edição, tem sido muito procurado por alunos e professores em estudos e universidades. Associado a este projeto e à edição do livro, surgiram colóquios, debates e exposições que procuraram sempre estabelecer uma relação entre o período da sua construção e os acontecimentos sociais, políticos, sociais, culturais e educativos, que ocorreram no nosso concelho.
Já agora aproveito para realçar que neste mandato também editado novo Livro, com o título “Da casa escola …à casa da democracia – Uma escola do legado Conde de Ferreira” contém um conjunto de estudos apresentados por diferentes autores que através do seu saber e conhecimento contribuíram para a importância histórica do edifício escolar, segundo o legado do Conde de Ferreira. O livro é assim escrito a várias mãos que procuram centrar a sua atenção em períodos históricos, mais concretamente nos fins do séc. XIX e princípios do séc. XX, com a ideia fundamental de criar uma ligação com a vida social, cultural, económica e também educativa, vivenciada na sociedade e na comunidade da vila de Sesimbra.
Gostaria de continuar a presidir à Assembleia Municipal de Sesimbra, agora que o equilíbrio de forças obriga a uma mais complexa gestão dos grupos parlamentares?
Como sabem tive o privilégio de presidir a esta Assembleia durante 4 mandatos, representando 16 anos, e, para além de outros cargos anteriormente desempenhados, já totalizam cerca de mais de 45 anos, o que me enche de orgulho e satisfação de representar o povo de Sesimbra e através da sua confiança ter uma experiência de vida extremamente rica e multifacetada … mas chegou o momento de entregar o testemunho a outros … mais jovens, competentes, amantes da sua terra e estou convicta que vão fazer um trabalho exemplar a favor das populações. Daí eu manifestar desde já o meu total apoio ao novo Presidente da Assembleia Municipal – João Narciso e aos elementos da mesa com quem diretamente irá trabalhar – Álvaro Monteiro e Sónia Lopes, que certamente irão desempenhar, de modo competente, a sua função e cooperar para o bom funcionamento da Assembleia.
É óbvio que por características pessoais sempre procurei ser frontal com os meus parceiros de trabalho, mas também procurei cooperar no trabalho de equipa. Não acredito no trabalho individual que só nos leva a individualismos sem bons resultados em vista. Perante estes modelos de trabalho e considerando as características dos grupos políticos, defendo o diálogo aberto, sério e consciente, tendo presente que não representamos nós próprios, mas sim quem em nós confiou o seu voto. A Assembleia tem agora obviamente matrizes políticas muito diferentes, mas só o bom senso pode predominar e sobretudo deve estar sempre em primeiro lugar o interesse das populações sesimbrenses.
Que novidades podemos esperar da atividade cívica e cultural da anterior presidente da Assembleia Municipal nos próximos anos?
Bom …. É ainda muito cedo para substantificar algo de muito concreto a desenvolver nos próximos tempos, mas em todo o caso tenho trabalhos pessoais a desenvolver … que ainda não tive oportunidade de os concretizar … mas entretanto outros projetos podem surgir. Não tenho pressa …o tempo é bom conselheiro!
Que mensagem gostaria de transmitir aos leitores do jornal “O Sesimbrense”?
Em primeiro lugar fico grata por ter sido convidada a participar nesta entrevista o que me permitiu transmitir opiniões, factos, comentários e até sentimentos vivenciados ao longo da vida e em particular da atividade autárquica.
Em segundo lugar saudar o trabalho de divulgação e informação deste Jornal – cuja história de vida é uma referência de estudo e pesquisa – mas também reforço a necessidade de mais informação e se me permitem junto dos Órgãos Autárquicos e da Assembleia em especial, dadas as matérias em debate, as quais são, na sua maioria, matérias estruturantes para o município.
Por fim, deixar o meu voto para que cada sesimbrense ou quem porventura tenha escolhido o concelho para viver, que participem de forma mais autêntica na vida local, do município ou freguesia ou mesmo em estruturas associativas, porque só deste modo será possível termos um sentido critico sobre o que se passa em nossa volta e não apenas comentar sem participar.
João Silva