Pedro Macedo: “Sesimbra tem carência de atletas”

Pedro Macedo deixou a liderança do Sesimbra ao cabo de uma série de derrotas e depois de um início de campeonato distrital da I Divisão da AF Setúbal auspicioso. Nos 22 jogos efectuados, conseguiu 6 vitórias, 3 empates e 13 derrotas seis das quais nos últimos seis jogos. Aos 45 anos (9/9/1976), defendeu as cores do Sesimbra, enquanto jogador, durante 11 épocas. Cinco anos volvidos (temporada de 2007/08) inicia a carreira de treinador, também no Sesimbra. Em 17 épocas, 12 foram passadas no GDS, 4 no Fabril do Barreiro e uma no Almada. Da dúzia de temporadas no clube sesimbrense, quatro foi como treinador-adjunto.

O plantel que tinha à sua disposição foi escolhido por si? Considera-o equilibrado ou há algum sector mais frágil?
– Formar um plantel é uma tarefa extremamente delicada, nomeadamente para um clube como o GD Sesimbra que, como todos sabem e dadas as caraterísticas próprias, encontra-se numa zona periférica onde é conhecida a carência de atletas. A formação do plantel baseou-se num entendimento entre clube e equipa técnica. Jamais é um processo individual e carece sempre da concretização de vários padrões. Após ter assumido o comando da equipa sénior, depois da saída do anterior treinador no decorrer da época transacta, e depois do convite para continuar como treinador principal, informei o presidente quais eram as minhas intenções relativamente à formação do plantel. Pretendíamos determinado equilíbrio e por isso decidimos que seria primordial manter a espinha dorsal da equipa. Pensámos igualmente promover o regresso de alguns atletas da “terra” que tinham deixado de jogar, bem como o regresso de alguns jogadores que já tinham representado o clube e do qual tínhamos conhecimento das suas aptidões.

Para acrescentar a isso, decidimos elevar a seniores seis atletas juniores. Consequentemente tínhamos indicado alguns jogadores/alvos que, por várias razões, não conseguimos incluir no plantel, dois deles figuram neste momento no top 5 dos goleadores do campeonato. Conseguimos compor um plantel em que 89% eram jogadores formados localmente ou que já tinham 2/3 anos de GD Sesimbra e os restantes 11% atletas novos no clube. Assim sendo, iniciámos a época com um plantel equilibrado em todos os setores e não prevíamos que se tornasse deficitário praticamente desde o início da competição, com a saída de atletas e lesões que foram sucedendo.

Depois de um início de campeonato positivo, a equipa ‘descarrilou’ a partir da 13ª jornada. Isso deveu-se a quê? Lesões, castigos, falta de confiança nas próprias capacidades, erros de arbitragem ou outras razões?
– Na verdade e uma vez que gosto de basear-me em factos, pois estes são indesmentíveis, à passagem da 13ª jornada encontrávamo-nos em 7º lugar apenas a 6 pontos do 3º classificado e vínhamos de uma série de 9 jogos onde só tivemos duas derrotas. Foi claramente a nossa melhor fase, em termos de resultados, aquela que mesmo com algumas contrariedades conseguimos obter melhor rácio de rendimento/pontuação. Depois surge o tal ‘descarrilamento’ que refere, tal como todos os aspectos que menciona na sua questão. Como disse no início dou especial relevo a factos e os aspectos referidos na questão provam que influenciaram sobremaneira as prestações alcançadas. Não é normal termos tido tantas peripécias, quer seja durante a semana e principalmente em jogo.

Para além da dificuldade na recuperação de atletas, as lesões iam sucedendo, não só em treino como principalmente em jogo, fazendo-nos alterar várias vezes o plano definido. Iniciámos com um plantel de 28 atletas, mas dadas as circunstâncias tivemos de recorrer a atletas juniores para compor a convocatória. Aliado a tudo isso foram evidentes situações que não podemos controlar como foram os sucessivos erros de arbitragem (comprovados até pelos próprios juízes no final das partidas), mas sobretudo a falta de compromisso que alguns elementos (de toda a estrutura) apresentaram. Não obstante as responsabilidades que nós, equipa técnica, devemos assumir neste processo, penso que esse factor foi determinante, até porque alguns desses elementos foram os próprios a assumir essa falta de comprometimento. Em momentos sentimos alguma desonestidade e deslealdade ao trabalho que produzíamos e isso, num grupo de trabalho, não pode acontecer.

Perante a má sequência de resultados nós, equipa técnica, tentámos de tudo para inverter a situação. Sentámo-nos várias vezes a conversar e partilhar ideias, discutimos por vezes, criámos novos exercícios, promovemos sessões de treino mais do agrado dos atletas, alterámos inclusive alguns hábitos diários, mas mesmo considerando que realizávamos bons desempenhos em jogo (assumido por todos os que nos acompanhavam) não conseguíamos obter o desejável por todos, as vitórias. Havia frustração mas havia igualmente, da nossa parte treinadores, o sentimento de dever cumprido.

Nos últimos anos o Distrital da I Divisão da AF Setúbal melhorou em termos de qualidade do futebol praticado ou, pelo contrário, estagnou ou retrocedeu?
– Considero que houve uma clara e evidente melhoria em todos os aspectos. O facto do campeonato esta época ser incomum, por ser composto por 20 equipas, talvez tenha sido um dos motivos para o crescimento da qualidade demonstrada nesta competição. Basta dizer que existem equipas que trabalham de forma muito profissional, inclusivamente têm elementos que são totalmente profissionais e que conseguem treinar ao início ou até durante o dia. Com efeito, para além de existir maior competitividade, tenho a convicção que existe maior qualidade igualmente.

Os clubes aproveitam bem os valores que despontam nas suas camadas jovens ou preferem ir buscar jogadores já feitos a outras paragens?
– Continua a existir um pouco de ambas as situações. Não conhecendo a fundo a composição de todos os plantéis, e exceptuando as equipas B, penso que não deverá haver nenhum clube que tenha apenas jogadores provenientes da formação. Aliás, existem equipas que nem sequer apresentam, nas suas habituais formações titulares, elementos oriundos dos escalões de formação do próprio clube.

Mesmo assim, de uma forma geral, penso já existir um maior aproveitamento de valores. No que respeita à realidade vivida no GD Sesimbra, e perante os dados anteriormente indicados, posso acrescentar que ao longo dos 7 meses que estivemos ao serviço do clube, tivemos 15 atletas da formação (13 juniores e 2 juvenis) a treinar regularmente com a equipa sénior, situação que se tornou original e nova no clube, pois nunca tinha existido esta frequência ao longo dos anos. Por conseguinte dois desses atletas foram, inclusivamente, utilizados em jogo.

Apesar de sentir ser esta uma situação desvalorizada, penso que deve ser este o caminho do clube embora tenha a perfeita noção que a escassez de atletas faça o clube recorrer a “outras paragens” para compor os seus plantéis, situação que infelizmente também se arrasta nos escalões de formação. Permita-me mencionar e agradecer a colaboração que o coordenador da formação, tal como os seus treinadores (especialmente o treinador de juniores, Pedro Silva) tiveram para connosco, na “cedência” dos atletas e na “aceitação” das nossas ideias relativamente a esta cooperação. Uma palavra de apreço igualmente para os jovens atletas envolvidos, que tiveram comportamentos dignos e sempre dispostos a corresponder ao que se exigia.

O público afecto ao Sesimbra está com a equipa sénior de futebol ou nem sempre isso acontece?
– Realizámos 11 jogos na condição de visitado, e podemos garantir que em nenhum deles sentimos o público “desligado” da equipa. Até pelo contrário, pois era uma condição a equipa “despedir-se” do público no final dos encontros e sempre sentimos o carinho e o respectivo aplauso dos adeptos presentes. Particularmente senti-me apoiado e incentivado. Consegui levar vários amigos ao futebol e pedia-lhes sempre que no final me dessem uma opinião real, deixando as amizades de lado. Recebia sempre bons ‘feedbacks’ das prestações da equipa e quase sempre me falavam no infortúnio, na falta de sorte, em nova lesão, novo erro de arbitragem, na bola que ía ao “poste” e não entrava, entre outros. Portanto, nunca sentimos desconforto por jogar em Sesimbra e sei que na grande maioria das vezes, tal como nós, o público sentia-se frustrado. Para concluir peço que mantenham esse comportamento com a equipa porque os atletas sentem-se mais fortalecidos para encarar adversidades inerentes ao jogo, se sentirem o apoio vindo das bancadas.

O que vai fazer até ao final da época no aspecto desportivo? E para a próxima temporada já tem alguma coisa em vista?
– Esta situação, saída da equipa, fez-me pensar muito na minha continuidade no futebol. A entrega foi total e por isso a desilusão torna-se grande. Levarei várias aprendizagens e ensinamentos. Não concordo com a frase feita “isto é o futebol”, porque para mim o futebol não é isto! Os resultados ditaram a nossa saída. Há dias assisti a uma entrevista com o selecionador nacional de futsal, Jorge Braz, que recentemente se tornou campeão mundial, mas que esteve muitos anos no esquecimento, com resultados negativos, vindo de “trás das pedras” de uma aldeia de Trás-os-Montes que ninguém conhece e hoje é campeão mundial e europeu estando grato ao presidente da federação por ter confiado no seu trabalho, desde o ano 2010. São factos reais e que espelham a confiança mantida no trabalho de uma equipa técnica!

Trabalhei imenso para chegar ao futebol sénior, tive um percurso do qual me orgulho, que foi conseguido com muito afinco, empenho, sacrifício e acima de tudo compromisso e não escondo que saí desiludido com muitas situações, com muitos intervenientes, mas também não posso deixar de referir que não podíamos ter feito mais do que aquilo que fizemos e houve completamente a noção de dever cumprido, mesmo admitindo e assumindo que cometemos erros naturais de quem está nesta modalidade e de quem tem de tomar decisões. Tinha na minha equipa técnica elementos de excelência, nomeadamente os ‘mister’ Hugo Ribeiro e Renato Lourenço, e sinal disso mesmo é que durante a época e depois da nossa saída, tiveram convites de trabalho.

Por isso não poderia ter ficado mais satisfeito com a escolha que fiz e agradeço-lhes todo o seu empenho e qualidade demonstrados. Temos falado diariamente e tenho “bebido” muitas das opiniões partilhadas e penso que isso faz-nos crescer. Neste contexto também envio um agradecimento ao trabalho do ‘mister’ Ricardo Sovelas. Tivemos um comportamento digno de quem representou um clube com quase 75 anos, com respeito pelos adversários e todos os intervenientes no jogo, prova disso mesmo é não termos tido nenhum elemento expulso. No momento actual é normal que me desligue um pouco da realidade desportiva, pois os 7 meses foram intensamente vividos e carregados de enorme desgaste perante as variadíssimas vicissitudes que vivemos, mas assumo que mantenho como meta ser feliz no futebol, onde muitos preconizam ter sucesso, mas em minha opinião ter sucesso é ter felicidade no que estamos a desenvolver, ter elementos a teu lado que te apoiam, sejam genuínos e leais com o trabalho que desempenhas e que consigam de forma coletiva levar o “barco a bom porto”. Infelizmente para nós, isso nem sempre foi atingido. Já encetei alguns contactos com amigos do futebol e, por isso, estou aberto a várias possibilidades, aguardando contactos de um qualquer clube ou projecto para dar continuidade ao desempenho das minhas funções enquanto treinador de futebol.

Por último agradeço o contacto para realizar esta entrevista. Aproveito para desejar ao grupo (onde existem verdadeiros atletas e homens extraordinários, que foi um prazer liderá-los) e à nova equipa técnica os melhores resultados possíveis e não posso deixar de agradecer ao GD Sesimbra, especialmente ao presidente Sebastião Patrício, a oportunidade de liderar a equipa sénior e dizer-lhe que, como era seu apanágio, deve estar mais próximo das equipas, faz muita falta a sua presença, mas infelizmente a situação pessoal que vive impede-o que tal aconteça e, talvez por isso, tenham chegado a este desfecho sobre a nossa dispensa.

Alves de Carvalho

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Director do jornal O Sesimbrense