Grupo Folclórico Humanitário do Concelho de Sesimbra

Com uma importante actividade cultural, o Grupo Folclórico e Humanitário do Concelho de Sesimbra relata-nos a sua experiência

João Silva

Como nasceu o Grupo Folclórico e Humanitário do concelho de Sesimbra?
Bem, o Grupo Folclórico e Humanitário do Concelho de Sesimbra é sediado numa freguesia onde a atividade do folclore foi essencial para a socialização dos pioneiros que chegavam de diversas regiões. Alguns desses novos habitantes trouxeram consigo as suas experiências e vivências no meio do folclore e decidiram criar alguns aglomerados aqui na freguesia.
Simultaneamente chegaram a estar em atividade 3 ranchos folclóricos, sendo que o primeiro foi fundado no antigo Leonenses (Rancho Infantil “Estrelinhas dos Leonenses” com a promessa de criação de um rancho sénior, mas durou pouco tempo), depois fundou-se o rancho da paróquia da Boa Esperança em 1986 – que veio mais tarde a dar origem ao Rancho Folclórico da Freguesia da Quinta do Conde (popularmente conhecido como o rancho do Silva) e o Grupo Etnográfico de Danças e Cantares da Região de Sesimbra em 1989. Criou-se também por esta altura a modalidade de folclore na ADQC que aglomerava um conjunto de jovens e adultos da freguesia, muitos deles que saltitavam de rancho em rancho.
Neste seguimento e dada esta nota preambular, sobre o Grupo Folclórico e Humanitário do Concelho de Sesimbra, considero importante citar o que se encontra escrito no livro “Quinta do Conde – Origens e Percurso”: “No final de 1993, a maioria dos elementos do rancho folclórico da Associação de Desenvolvimento da Quinta do Conde incompatibilizaram-se com os órgãos diretivos da coletividade e abandonaram este rancho, formando um novo, ensaiando no Grupo Desportivo e Cultural do Conde 2, a que deram inicialmente a designação de Grupo Folclórico e Humanitário da Quinta do Conde, posteriormente alterada para a atual designação, por imposição do Registo Nacional de Pessoas Coletivas. A escritura da constituição foi realizada a 23 de Janeiro de 1995 (…)” (Antunes, 2012, pág. 208).
Ou seja, este grupo folclórico foi constituído como associação tendo como sua sede provisória o GDC Conde 2, permanecido nessas instalações até 2012, tendo nesse ano começado a ensaiar no CCSR A Voz do Alentejo, de novo na Boa Água, até aos dias de hoje. Desde 2018 que reivindica junto das autarquias, a necessidade de possuir instalações próprias, com um espaço para um mini-museu etnográfico onde possa também colocar o seu espólio associativo; um espaço do Dador de Sangue (onde estes se possam dirigir durante o ano para obter informações sobre a dádiva) e um salão onde possa realizar os seus ensaios e outros eventos.

Quais são os objetivos da vossa associação?
Os nossos objetivos prendem-se essencialmente com as funções pelas quais a associação foi criada, e elas são completamente distintas: a primeira, e a qual com que nos apresentamos em palco e nas restantes atividades de âmbito cultural, é a divulgação e promoção das recolhas etnográficas: tradições, danças e cantares, usos e costumes do Concelho de Sesimbra e da zona da Arrábida e a segunda função destina-se a colaborar com o Instituto Português do Sangue e da Transplantação, na organização de recolhas de dádivas benévolas de sangue, ajudando doentes hospitalizados, sendo filiados na Federação Portuguesa de Dadores Benévolos de Sangue. Também temos tido por hábito, colaborar e aderir a diversas iniciativas socio-caritativas com outras entidades.

Que balanço fazem destes 29 anos de existência?
Olhando para o destino que todos os outros 4 ranchos que existiram na Quinta do Conde tomaram, o balanço que qualquer membro da nossa associação e qualquer conterrâneo deverá fazer, deve ser naturalmente positivo. Nenhum aglomerado folclórico na nossa freguesia durou tantos anos como o nosso. É verdade que, em qualquer organização/associação se vivem momentos melhores e outros piores. No entanto, considero que a vontade e o interesse de todos os sócios e componentes que por aqui passaram, foi essencial para ultrapassar os momentos com maiores dificuldades, que colocavam em causa a continuidade da associação, evitando que se tomasse o mesmo destino dos outros quatro.
Uma vez que esta é uma associação mais velha do que eu, e como só acompanhei metade da sua existência (4 dos anos enquanto Presidente), tudo o que sei sobre o passado da mesma, foi-me transmitido pelos mais antigos. Como tal, e por aquilo que me apercebo, a associação teve o seu auge no início dos anos 2000, tendo obtido excelentes resultados nas colheitas de sangue que organizava (fazendo inclusive encontros internacionais de dadores de sangue na nossa freguesia), chegou a organizar 3 festivais de folclore no mesmo ano, e tinha uma participação bastante ativa e reconhecida no movimento associativo concelhio, apesar de não possuir instalações próprias à semelhança das maiores associações do concelho. Esta dinâmica permaneceu, mais ou menos até 2016, tendo até então aglomerado imensos jovens, que por consequência da sua vida escolar e profissional foram-se afastando, tirando alguma força ao grupo. No final de 2017 o grupo viveu talvez o seu período mais critico, estando mesmo para terminar, mas os jovens e os menos jovens que por cá ficaram, consideraram que seria uma pena o nosso concelho ficar sem um rancho folclórico – ainda por cima eramos os únicos existentes -, então decidimos arregaçar as mangas e compusemos uma lista aos Corpos Sociais.
Realizámos o nosso projeto, com as nossas ideias e com as pretensões que queríamos para o nosso rancho. Desde 2018 que o grupo tem estado em desenvolvimento, a crescer (financeiramente e, por consequência, em atividades), com capacidade de acolher novos membros – principalmente mais jovens -, novos sócios, e com o objetivo de recuperar a dinâmica de outros tempos. Sinto que temos conseguido inclusive superar esses tempos que os mais velhos me contam, pois não temos só desenvolvido as nossas atividades estatutárias, mas também temos feito atividades de âmbito associativo de forma a fidelizar e tornar mais assíduas as pessoas, criando laços de amizade e companheirismo. Se olharmos para as atuações que temos feito (esquecendo o período da pandemia), voltámos a realizar permutas a regiões do país onde o folclore é uma atividade mais marcada; as dádivas de sangue têm tido uma progressão constante – em 2017, ainda não era dirigente, fui ajudar numa sessão de colheita onde apenas compareceram 24 dadores… no passado dia 09 de abril, tivemos 80 dadores inscritos, número este que só era possível de assistir no princípio deste século, e nós recuperámos isso. Não gosto muito de fazer análises comparativas nestas coisas, mas não consigo fugir a elas, uma vez que servem de referência para vermos em que ponto estamos no cumprimento dos objetivos a que nos propusemos.

Relativamente ao trabalho de campo que efetuaram e efetuam designadamente na recolha, inventariação e preservação de músicas, danças e trajes, em que locais do concelho de Sesimbra foram recuperadas as músicas, danças e trajes com que se apresentam nas atuações?
As nossas danças e cantares foram recolhidas junto da população mais idosa nos finais da década de 1980 na vila piscatória de Sesimbra, nas aldeias da freguesia do Castelo e nas aldeias do antigo Concelho de Azeitão e aprofundadas mais recentemente através de pesquisa e investigação bibliográfica em Setúbal e também através de consulta e conversas com alguns desses folcloristas que participaram nas recolhas. Estas recolhas surgem quando nas décadas de 1980 e 1990, os vários responsáveis dos ranchos existentes começam a ter contacto com outros ranchos (em festas e festivais de folclore em que participavam) e passam a ter a perceção de que deveriam ser mais rigorosos naquilo que apresentavam em palco. Pelo que investiguei, os erros eram imensos, muitas modas que não eram da nossa terra (lembremo-nos que muitos desses folcloristas eram imigrados e traziam consigo muitas práticas e modas das suas terras), com os trajes foi igual. Creio que passou a existir uma consciencialização generalizada na Quinta do Conde de que o trabalho que viam outros ranchos fazer, aqui na nossa terra também era necessário. Então muitos destes folcloristas, dos diversos ranchos existentes na Quinta do Conde, decidiram ir para o terreno e aproveitar que muitas das pessoas idosas ainda eram vivas e começaram o trabalho de recolha direta. Esse privilégio, as novas gerações já não o têm, pois, essas pessoas mais idosas que viviam os momentos de festa e que nos podiam relatar com melhor precisão as danças e cantares, usos e costumes já partiram. No entanto, há que referir o seguinte: à data e sem qualquer tipo de acompanhamento de outros órgãos (quer autárquicos, quer da Federação do Folclore Português), não existiam os conhecimentos pormenorizados de como fazer recolhas (quais as questões que importavam de facto fazer, que tipo de respostas poderiam encontrar, como registá-las, como verificar se eram verídicas ou se correspondiam ao lapso temporal a representar etc.), e isso levou a que muitas informações recolhidas tivessem sido mal registadas, outras adulteradas, e as que foram bem registas se tivessem perdido por descuido ou pela ausência de passagem continua a outros membros mais jovens. Atualmente estamos empenhados em recuperar, corrigir e aprofundar esse trabalho iniciado e desenvolvido há cerca de 30 anos, uma vez que somos o único grupo folclórico em atividade, sentindo maior responsabilidade em preservar toda essa informação. Queremos tornar-nos cada vez mais fidedignos às recolhas e ao passado.

Um dos objetivos do (GFHCS) é de âmbito social, isto é a organização de campanhas de recolha de sangue em colaboração com o Instituto português do sangue e da transplantação, quantas campanhas já organizaram e quantos cidadãos aderiram até aos dias de hoje?
Sim, as ações de sensibilização e promoção da dádiva benévola de sangue estão ligadas a esta associação desde a sua fundação. Aquilo que sei é que sempre se organizaram 3 sessões de colheita anuais em colaboração com o Instituto Português do Sangue e da Transplantação. No entanto eu não consigo precisar o total certo de colheitas organizadas pela nossa associação, pois perdemos algum arquivo da nossa associação (por não possuirmos instalações próprias), o que me poderia ajudar precisar esses dados. Não obstante, consigo dar-vos uma estimativa de cerca de 80 sessões de colheita organizadas por nós, uma vez que não tenho a certeza se foi logo a partir de 1993 que se começaram a organizar estas iniciativas. Se somarmos o número de colheitas feitas por ano, aos anos de existência do rancho, teremos cerca de 85 sessões, mas como disse, estes números não são precisos, pois não houve sempre um registo anual destes dados, pelo menos que eu tenha conhecimento.

Existem outras iniciativas de caráter humanitário em que colaboram?
Costumamos envolver-nos e colaboramos em iniciativas socio-caritativas de forma pontual, promovidas por outras entidades (quer autarquias, quer associações congéneres). No ano de 2020 assinámos um protocolo com o CLDS “Família +”, com o objetivo de utilizarmos a prática do folclore para chegarmos às crianças e jovens mais socialmente mais desfavorecidos. Para tal, identificámos um conjunto de iniciativas que poderíamos desenvolver em conjunto para transmitir as nossas tradições a essas famílias e para que a nossa associação seja cada vez mais aproveitada como um espaço de agregação e inclusão social, tal como tem sido desde a sua fundação.

Atualmente, como avaliam o folclore nacional?
Bem, essa questão consegue preencher um espaço de debate ou uma outra entrevista. Tanta coisa há a falar sobre o panorama do folclore nacional: a sua história, o seu percurso, a criação da Federação do Folclore Português (FFP), os grupos não federados… muito há para abordar nesta questão, inclusive escrevi um artigo com sustentação bibliográfica sobre este tema, juntamente com uma outra folclorista e dirigente da nossa associação (pois somos os únicos académicos na associação), mas nunca o divulgámos, por diversas razões (posso fazer-vos chegar esse artigo, caso tenham interesse próprio), mas quando me fazem esta questão que é mais abrangente, salta-me à cabeça um ponto que eu acho fundamental e nunca me canso de o dizer, pois é a minha opinião sobre o folclore nacional: é uma atividade que tem um objetivo importantíssimo na nossa sociedade, prendendo-se com a conservação, divulgação e promoção da nossa cultura tradicional popular, no entanto, é necessário que ela seja bem feita. E é aqui que todos nos devemos centrar, como é que ela pode ser bem feita? Bom, para responder a esta sub-questão é necessário ter conhecimento sobre a génese e o percurso do folclore nacional – e sobre isto, existem diversas formas de pensamento e interpretações. Depois há que pensar na importância que foi a criação da FFP para que esse trabalho de recolha e pesquisa, registo e conservação, divulgação e promoção fosse e seja bem feito, não obstante penso no seguinte: qual tem sido o verdadeiro papel da FFP no apoio aos aglomerados de folclore e etnografia (inclusive aqueles que não se apresentam com as características de ranchos ou grupos folclóricos como conhecemos hoje, e estou-me a lembrar da associação Costumes e Tradições de Alfarim, Nativos e Amigos da Aldeia do Meco, entre outras que possuem atividades ligadas à história e tradições)? Qual tem sido a iniciativa da FFP para chegar aos ranchos e grupos folclóricos não filiados? Será que estes têm desinteresse na FFP por saberem do que se trata e quais os seus objetivos? Ou será ao contrário, por desconhecimento? Será que, mesmo conhecendo os objetivos e funcionamento da FFP, têm capacidade (conhecimentos académicos de investigação e estudo) para corresponder às exigências da FFP para a sua adesão? São algumas questões com as quais me deparo quando me questionam sobre o folclore numa dimensão nacional. Mas duas coisas eu respondo com certa, e apesar de saber que o interesse deve ser da população em geral, creio em primeiro lugar, que a iniciativa deveria (e deve) partir em primeiro lugar da FFP para que os grupos folclóricos consigam representar com maior veracidade as suas tradições, pois deve ser este o interesse máximo da Federação, mesmo que estes à posteriori não queiram ser filiados (podem ter as suas razões associativas para não o ser). Os técnicos regionais da FFP deveriam investigar per si sobre as tradições da área geográfica às quais desempenham funções e não se limitar a responder aos ranchos e grupos quando estes demonstram um pequeno interesse na Federação e/ou necessitam de ver esclarecida alguma dúvida sobre folclore.
Em segundo lugar, tenho alguma dificuldade em compreender (e se estiver errado certamente me desculparão, mas pelo menos tem acontecido com os grupos que eu conheço e com os quais temos estabelecido contactos), porque é que em festivais organizados por grupos federados, se evita convidar grupos e ranchos não federados, sem sequer tentar perceber se estes têm a sua etnografia representada com veracidade e de forma fidedigna? Ser filiado na FFP não deve constituir exclusividade para promover e divulgar o nosso património imaterial, deve-se sim, procurar primeiro se os grupos e ranchos têm forma de provar se o que representam está próximo e o mais fidedigno possível com as recolhas que efetuaram, e para isso não há necessidade de depender única e exclusivamente da FFP, as próprias autarquias locais deveriam também ter este interesse e coadjuvar os grupos e ranchos.
Não quero de todo com isto dar a entender que existem dois mundos no folclore nacional, mas sim que no mesmo mundo existem várias velocidades. Felizmente tem existido muito respeito entre os grupos folclóricos e um certo nível de cooperação entre os mesmos. O mesmo não aconteceu nas duas décadas após o 25 de Abril, onde muitas eram as conotações políticas atribuídas aos ranchos e grupos folclóricos assim como as “guerras” devido às recolhas ou a competitividade entre os aglomerados para se ver quem atuava melhor ou pior…
Felizmente não tenho sentido isso com nenhum grupo folclórico e a nossa postura (do Grupo Folclórico e Humanitário do Concelho de Sesimbra) tem sido e continuará a ser a de cooperar para o desenvolvimento desta atividade no nosso concelho e na nossa região da Península de Setúbal. Temos consciência que ainda cometemos alguns erros, eles estão devidamente identificados e a Direção está a trabalhar no sentido de melhorar, mas também gostaríamos de ver algum interesse da parte do Conselho Técnico Regional da Extremadura Sul e Litoral Alentejano da FFP e de outros ranchos folclóricos da nossa região que possuem conhecimentos mais aprofundados sobre a nossa etnografia, assim como gostaríamos de contar igualmente com o interesse das autarquias e outras associações que recolhem e preservam as tradições locais, neste processo de desenvolvimento. Mas, iremos continuar humildemente, com os meios que temos, a fazer o melhor possível para que também se abram portas com outra dimensão para levarmos o nosso concelho e região a grandes festivais ou até voltar a sair do país para atuarmos.
Ainda sobre o panorama do folclore nacional, e como é sabido, esta atividade sofreu um sério abanão com a pandemia do Covi19. Fomos obrigados a parar as nossas atividades durante 2 anos, a adiar e/ou cancelar os nossos eventos e recentemente com o abrandamento dos contágios e a possibilidade de retoma, muitos foram os ranchos e grupos que cessaram atividade, outros que estão com dificuldade em retomar e outros onde faleceram boa parte dos seus membros com esta pandemia.
Ora, se já era difícil mobilizar pessoas para o folclore antes desta situação sanitária, imagine-se a dificuldade agora de não só mobilizar aqueles que não tinham tanto interesse, como também aqueles que já praticavam e que deixaram de o fazer e desmobilizaram.
Felizmente não nos aconteceu isso, e sentimo-nos uns privilegiados comparativamente a outros congéneres, e como tal, temos de mostrar a nossa total solidariedade para com todos estes grupos e associações e mais, mostramo-nos disponíveis para ajudar aqueles que se encontra mais próximos de nós geograficamente. Quem perde no fundo, é o folclore nacional, é a nossa missão de preservar as tradições que falha a cada dia sempre que um grupo/rancho deixa de abrir portas…

O vosso grupo é composto por quantos elementos?
Neste momento o nosso grupo é composto por 45 elementos, com idades compreendidas entre os 3 e os 80 anos de idade. Mas, temos alguns componentes que por diversas razões não conseguem estar tão presentes, nomeadamente devido a questões de foro profissional e então participam de forma mais pontual nas nossas iniciativas.

As camadas mais jovens aderem ao folclore?
Na nossa freguesia sim! Desde a criação do primeiro rancho folclórico na Quinta do Conde (o rancho infantil “Estrelinhas dos Leonenses”) que é uma atividade bastante procurada e acarinhada pela juventude. Uns andavam no folclore porque acompanhavam os seus familiares e conheciam lá outras crianças, outros porque na escola sabiam de algum(a) amigo(a) que andava nalgum rancho e com o “passa a palavra” lá iam experimentar acabando por ficar, outros porque não tinham mais nenhuma atividade na freguesia com que se identificassem e vinham experimentar o folclore… ainda havia aqueles que, mesmo jovens, em idade próxima de casar e com a frequência aos bailaricos acabavam por entrar nos ranchos para “catrapiscar” alguma moça… Isto para dizer que as razões que motivavam os jovens a vir para o folclore são exatamente as mesmas que os levam a chegar-se junto de nós nos dias de hoje, e quase a totalidade fica. Como disse na questão anterior, sentimo-nos uns privilegiados nesse aspeto.
Neste momento, mais de metade do nosso grupo é composto por membros com idades inferiores aos 35 anos de idade.

Promovem o estudo etnográfico na região da Arrábida e em Sesimbra?
Neste momento, e com o que possuímos, a forma que temos de promover esse estudo tem sido através das nossas atuações, desfiles etnográficos, conferências e sessões que vamos realizando. Dessas atuações destaco o Festival de Folclore de Sesimbra, assim como as atuações em eventos no concelho que fazemos questão de participar. Até há uns anos participávamos em atuações na freguesia de Azeitão e mantínhamos proximidade com a sua junta de freguesia. No entanto, admito que o que fazemos possa ser insuficiente para promover com uma outra dimensão o nosso património imaterial. Sinto que as autarquias locais da zona da Arrábida podiam demonstrar outro interesse em ajudar-nos a complementar as informações que já possuímos e posteriormente colaborar na organização de outro tipo de eventos onde possamos divulgar e promover essas informações.
Há muitas coisas diferentes que podem ser feitas, desde retomar desfiles etnográficos (que eram bastante frequentes em Santiago e Castelo), pintura de morais com personagens trajadas ou com as quadras dos cantares da nossa região; festivais de folclore regionais a passar nas diversas freguesias de Setúbal, Sesimbra, Seixal e até Palmela no decorrer do ano civil em parceria com a AMRS (não temos que nos restringir apenas ao Festival anual que acontece em Sesimbra); o folclore ir às escolas através de exposições, palestras ou até nas aulas de educação física; a necessidade do concelho possuir um museu etnográfico à semelhança do que existe na Av. Luísa Todi em Setúbal, entre outras… mas estas ideias não estão ao alcance, per si, da nossa associação. Precisamos de outro tipo de apoios e interessados para divulgar e promover a nossa história tradicional dos finais do século XIX e inícios do século XX. Como costumo dizer: o que já temos e fazemos é lindíssimo, mas consigo imaginar a beleza etnográfica que ainda está escondida, ou aquela que se calhar já se perdeu. Temos aqui um mundo por divulgar.

Quais são as vossas contribuições para a preservação do património imaterial do concelho de Sesimbra e em que projetos estão a colaborar?
A resposta a esta questão está em parte ligada com a resposta à questão anterior. Os nossos contributos nesta fase estão ainda em folhas de apontamentos, registo de imagens e vídeos de atuações dos ranchos folclóricos que existiram na freguesia; implementação dos trajes recolhidos e das danças e cantares que nos foram transmitidos. Nunca escondemos a intenção de escrever um livro, tal como agora fez o grupo de Gaiteiros. Mas, mais uma vez digo, necessitamos de apoio de terceiros para que nos esclareçam algumas dúvidas, nos forneçam algum material, nos complementem a investigação (com mais imagens, registos dos jornais daquela época, relatos etc.). Tivemos agendada uma reunião com a equipa técnica do Arquivo Municipal de Sesimbra, mas não conseguimos concretizá-la, certamente haverá oportunidade para expormos as nossas necessidades sobre aquilo que eles nos podem ajudar.
Por outro lado, entendo que a preservação do nosso património imaterial deve ser feita também através da transmissibilidade às pessoas daquilo que nós recolhemos… os ensaios do nosso grupo folclórico passaram a conter uma vertente pedagógica de forma a ensinar o contexto histórico e os locais das recolhas; já demonstrámos a intenção de partilhar as nossas pautas e letras com outros grupos corais e musicais da freguesia para que também façam parte do seu reportório para que as apresentem nas suas atuações e ainda uma outra coisa que discutimos na nossa última Assembleia Geral, que passa por eventualmente constituir um Processo Técnico (que é feito obrigatoriamente por aqueles grupos que pretendem aderir à FFP).
Em suma, estamos interessados e a reunir esforços para melhorar esse trabalho de preservação desse património e naturalmente abertos para estudar futuros projetos com outras entidades.

Os trajes que utilizam nas atuações a nível nacional e internacional são originais ou réplicas da região de Sesimbra?
Os trajes que utilizamos são representações daquilo que foi relatado pelos populares aquando das recolhas e outros derivam dos registos de imagem que temos em nossa posse ou que até vamos encontrando por aí. Eles são réplicas e certamente se tivéssemos o privilégio de ter trajes centenários em nossa posse, teríamos que os preservar e guardar, pois esse tipo de material constitui à época um “tesouro” material. Dizer que infelizmente aqui no sul do país, não existe tanto o hábito de se guardar esses materiais dos nossos avós e bisavós (costumamos sim partilhar os imoveis e moveis desses familiares, desprezando as suas roupas, instrumentos musicais guardados etc.). O mesmo não acontece no norte do país em que se dá maior importância à preservação desse material centenário que muitas vezes acabam expostos e são cuidados em espaços museológicos e etnográficos.

Cada elemento do grupo tem uma indumentária que simboliza um determinado estatuto social da época, podem-nos aflorar um pouco mais sobre este assunto?
Estatutos sociais, mas também profissões antigas que temos conhecimento que existiam, assim como a forma como as pessoas se vestiam nos momentos religiosos e profanos das grandes festas na região. Nos nossos trajes estão representadas as atividades agrícolas, comerciais e os momentos festivos existentes no concelho de Sesimbra e nas aldeias envolventes, respeitante aos finais do século XIX e inícios do século XX. São exemplo disso: os camponeses agricultores, pastores e almocreves, os leiteiros e aguadeiros das aldeias, como também as lavadeiras da fonte dos curvais na aldeia do Meco, as vendedoras de frutas e legumes que desciam à vila para trocar esses condimentos por peixe na lota, as padeiras, as mondinas e ceifeiras dos arrozais da ribeira de Coina, na atual várzea da Quinta do Conde. Fazem ainda parte dos nossos trajes, os romeiros e romeiras das grandes festividades religiosas da Arrábida e da Península de Setúbal, os domingueiros e domingueiras (que vestiam o “fato de ver a Deus” para ir à missa aos domingos), assim como um casal de noivos. Depois temos o traje mais representativo da nossa zona, o pescador da vila de Sesimbra e as suas esposas que trabalhavam como rendilheiras de bilros nas suas casas ou como operárias nas fábricas de conserva. Também apresentamos as viúvas que perdiam os seus homens no mar.

Recentemente o vosso logotipo foi rejuvenescido, acharam que deveria ajustar-se aos tempos atuais?
Certamente que qualquer associação tem que se adaptar aos tempos atuais, mas a alteração do nosso logotipo presente-se essencialmente com o facto de ele não possuir, no mínimo, o local de onde nós vimos ou que representamos – exigências mínimas para um rancho/grupo folclórico. Qualquer rancho folclórico deve apresentar ao público um logotipo em que estes possam identificar de imediato o que somos e de onde vimos. Consideramos que a infantilidade espelhada no nosso logotipo, que nos acompanha desde a fundação da associação, é bonita e adequada e remonta-nos ao antigo e tradicional, e foi por isso que os sócios, que compuseram a comissão para a alteração do logótipo, apostaram em preservar esse desenho da fundação, adicionando-lhe apenas a designação da associação, a data da fundação e a freguesia onde estamos sediados, mas também podiam ter optado por uma vertente mais consumistas. Das 3 propostas levadas à última Assembleia Geral, os sócios votaram na que agora apresentamos e eu acho que foi uma boa escolha, embora existissem um conjunto de outras propostas que eram completamente diferentes e estavam mais inclinadas para o que se apresenta nos dias de hoje, num estilo mais contemporâneo. Como considero que os nossos sócios têm bom gosto, acho que estamos bem servidos em termos de imagem e que o novo logotipo cumpre com as funções devidas.

Durante o interregno provocado pela pandemia da covid-19, estiveram suspensos os espetáculos culturais. quais foram os estados de espírito e sentimentos associados, quando regressaram às vossas atuações no recente festival das sopas no parque Augusto Pólvora?
É verdade, estivemos dois anos inibidos de poder atuar e inclusive de ensaiar, tudo devido a uma pandemia e à ausência de orientações por parte da DGS sobre a nossa atividade em concreto. Teve que ser a Direção da associação em conjunto com os ensaiadores a delinear um Plano de Retoma Progressiva dos Ensaios acompanhando as diversas fases de abertura que o governo ia dando. Dado que este plano foi cumprido como esperado, e os folcloristas mostraram-se sempre empenhados, conseguindo facilmente aprender a implementação de recolhas desconhecidas, deu-nos a possibilidade de aceitar no ano de 2021 alguns convites para a nossa tocata aparecer e atuar. Isto foi motivando os nossos bailadores e deixando a garantia de que o nosso grupo não ia tomar o mesmo caminho que os outros, e assim que nos foi permitido, voltámos com os ensaios destinados à dança. Começaram a correr igualmente bem, pois o interesse e empenho de todos foi fundamental, e deu-nos a oportunidade da Direção desafiar todos os membros para irmos participar com uma atuação completa no Festival das Sopas no dia 19 de março.
Para falar mais propriamente dos estados de espírito, eu vou ser sincero: não senti qualquer tipo de nervosismos, e também não me apercebi disso da parte dos meus colegas. Acho que havia sim um desejo incontrolável de voltar a ouvir o acordeão, as vozes e os aplausos do público. O facto de a atuação ter ocorrido no nosso concelho talvez nos tenha tirado algum peso de cima, no entanto eu transmiti que este era o nosso regresso após a pandemia e que o íamos fazer perante as gentes da nossa terra, e por isso a responsabilidade era igualmente grande. No entanto, o que senti da parte e todos os colegas que trajaram e atuaram foi um sentido de profissionalismo e cuidado redobrado em que as coisas corressem bem. Transmitiram uma imagem de que estamos vivos e que a pandemia não nos abalou no folclore apesar de dois anos parados. Apesar de estar dentro da roda, gostei do que apresentámos, mostrámos que estamos empenhados em corrigir erros etnográficos e deixámos uma imagem de que estamos motivados e com um estado de espírito muito juvenil, prontos para dar continuidade ao desenvolvimento da nossa associação. Agora, não sei se o estado de espírito e os sentimentos seriam os mesmos se tivéssemos que regressar logo num grande Festival de Folclore, onde teríamos que cumprir escrupulosamente o tempo de atuação e em que o público desconhecesse a nossa etnografia… A partir desse momento sentimos que temos e devemos continuar com este ritmo porque estamos no caminho certo.

Quais as próximas datas e locais onde irão atuar?
Esta pergunta obriga-me a tirar o véu sobre o VIII Festival de Folclore de Sesimbra, mas como deverá estar para breve a reunião com a Câmara Municipal, não tardará em saber-se com que grupos será composto. Por isso vou desvendar, sem problema algum. No futuro próximo iremos realizar uma ou outra atuação no nosso concelho, mas como já temos o Festival de Folclore de Sesimbra fechado e com todos os grupos convidados, teremos que realizar as consequentes permutas. Nesse sentido, iremos já no mês de maio atuar na Figueira da Foz no dia 01 e nos dias 28 e 29 iremos até Peso da Régua, distrito de Vila Real. No dia 09 de julho iremos ter o VIII Festival de Folclore de Sesimbra em parceria com a Câmara Municipal de Sesimbra e até ao mês de setembro temos um conjunto de atuações em festas populares do nosso concelho.
Dia 9 e 10 de setembro iremos a Vila Fria, em Viana do Castelo e logo no fim de semana a seguir, voltaremos a Palaçoulo, em Miranda do Douro, uma terra que nos diz muito e que gostamos sempre de visitar.
Posso reforçar que desde 2018, que nos empenhámos ainda mais para realizar atuações aqui no nosso concelho, porque queremos que os sesimbrenses todos sintam que têm um rancho que é deles, da sua terra e os representa (e quando falo em “sesimbrenses” falo em todos os habitantes do nosso concelho). Para tal, temos aceite, sempre que o calendário nos permite, os convites de outras associações ou entidades para atuar nos seus eventos nas 3 freguesias do concelho e estamos disponíveis para receber qualquer telefonema ou email de quem pretenda os nossos “serviços”.

Como encaram o associativismo nos tempos que correm?
Nos tempos que correm o associativismo vive um tempo desafiante (mais um) e que estes dois anos de pandemia vieram acentuar. Desde as características demográficas atuais do nosso país (envelhecimento populacional e despovoação do interior), a insuficiência de jovens nos corpos dirigentes das associações, a falta de apoio do governo central, a descredibilização do desempenho de funções públicas e o trabalho voluntário, assim como os valores de uma sociedade consumista, são pontos que identifico sem pensar muito e que podia aprofundar para compor uma resposta mais elaborada. Mas, para responder de forma mais concreta à questão, vou pegar no tópico que eu considero o mais importante se pensarmos no futuro do associativismo com as características que temos hoje: a participação dos jovens na gestão das associações.
Assistimos nos dias de hoje à generalização de um sentimento de medo face ao futuro do movimento associativo nacional, e como tal ouvimos com maior frequência as palavras de ordem que “os jovens não querem saber destas coisas e não participam… não querem saber da gestão das associações”. Bom, isto é verdade e, não é, ao mesmo tempo… e porque é que eu digo isto? É verdade que são os jovens o futuro de uma sociedade, e por consequência, das organizações que a caracterizam. Logo, eu questiono: então se os jovens não participam nos corpos gerentes das associações, já se pensou no que pode realmente levar ao seu afastamento desta atividade? E no tempo dos nossos pais e avós, era assim tão diferente de como é agora? Bem, olhando para esta última questão, conseguimos perceber que em algumas coisas a vida era diferente… hoje um jovem estuda durante muito mais tempo, não tem tantas responsabilidade na gestão da sua vida juvenil, pois isso é assegurado pelos seus encarregados de educação (como iria ter interesse em gerir uma associação?) – se nos incutem que “o vosso trabalho nesta fase são os estudos”, é lógico que iremos olhar para uma associação e perguntar que modalidades é que têm para eu me ir divertir.
Não se questionam, “que associação é esta, e como é gerida?”. O interesse será primeiramente nas suas ofertas culturais, desportivas e recreativas, naturalmente.
Ora, mas reparem que no exemplo que eu dei, já existe aqui um interesse nas associações, e isso tem que ser capitalizado aos poucos para chamar esses jovens, que se revelem mais interessados na organização de certos eventos mais pequenos da atividade que praticam e lhes sejam distribuídas algumas tarefas de menor dimensão.
Pela minha experiência, os jovens gostam de ajudar e sentir-se uteis nestas coisas, está enganado quem pensa o contrário, apenas necessitam de ser cativados pelos mais experientes na gestão associativa. Estes últimos devem também mostrar abertura para novas ideias, muitas delas que incluem novas tecnologias e que os mais velhos nem dominam e que muitas vezes se torna um pretexto para acorrentar as ideias dos mais jovens que frequentam as associações, acabando por os afastar por se sentirem inúteis e incapazes de transformar e ver coisas realizadas.

Depois há que ter em conta a dificuldade daqueles jovens que já trabalham e têm imensa dificuldade em emancipar-se. As elevadas cargas horárias, os baixos salários e demora em constituir o seu património, levam a que estes não tenham como prioridade, encaixar nas suas vidas ainda mais responsabilidades sociais e cívicas.
Bom, este é um tema bastante abrangente e sobre o qual podemos falar várias coisas, mas identifico como uma emergência, as associações e coletividades se adaptarem e modernizarem e neste aspeto refiro-me à comunicação e imagem. Aqui, os jovens podem dar um excelente contributo porque dominam em boa parte as novas tecnologias e a informática. Têm novas ideias para eventos e através destes mecanismos as associações conseguem chegar ao maior número de pessoas. Os jovens são essenciais para o progresso do associativismo popular e conseguirá superar os desafios constantes que surgem, aquelas associações que se souberem adaptar e modernizar, e isso também pode passar por refletirmos se o atual modelo de associativismo tradicional serve os interesses destas novas gerações, e se sim, como é que podemos encaixar estas novas mentalidades no associativismo atual.
Deixo uma sugestão e porque vivenciei no terreno… o período em que o jovem frequenta a universidade, por norma está aberto a novos desafios, tarefas e experiências. Nesta fase da sua vida, o jovem académico quer adquirir novos conhecimentos e quer mostrar que tem capacidades, as associações, as autarquias locais e as demais organizações que aproveitem este período para agarrar os jovens para as tarefas emergentes.

Quais são as iniciativas previstas para o futuro próximo?
As iniciativas futuras da nossa associação passam no imediato por participar nas celebrações do 48o aniversário da Revolução do 25 de Abril (teremos uma tenda com exposição de trajes e apetrechos, doces e artesanato); no dia 29 de abril celebra-se o Dia Mundial da Dança, e como tal iremos fazer um Open Day de Folclore destinado às crianças e famílias do concelho, no âmbito do protocolo assinado com o Família +; iremos participar na Festa da Família e das Tradições no dia 15 de maio com a dinamização de jogos tradicionais e um ensaio aberto à participação do público; temos planeado celebrar o dia Internacional da Criança com os mais pequenos do grupo e depois é mobilizar e organizar os nossos associados para as tarefas destinadas à nossa participação na Feira Festa da Quinta do Conde, bem como do Festival do Caracol e festejos dos Santos Populares, fontes importantes para a obtenção de receitas para a nossa associação poder desenvolver iniciativas previstas no Plano de Atividades aprovado pelo sócios. Neste sentido, vamos também ao longo destes meses e consoante a disponibilidade dos nossos membros, organizar iniciativas de angariação de fundos e simultaneamente reivindicar a necessidade de possuirmos uma sede própria, pois esta é a nossa principal bandeira de luta até conseguirmos efetivamente possuir o nosso cantinho.

João Silva

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Editor
Director do jornal O Sesimbrense