Oliveira Martins: “Sesimbra beneficiou com o turismo”

Numa altura em que inicia-se a época alta do turismo em Sesimbra, o jornal mensário “O Sesimbrense” desta vez entrevistou Oliveira Martins, empresário sesimbrense ligado ao sector do turismo em duas atividades turísticas: a restauração com o restaurante (O Escondidinho) e a organização de viagens com a agência de viagens e turismo (Turibolsa) e também associado ao movimento associativo.

A atividade económica do turismo entra no seu percurso profissional em que ano?
O meu percurso profissional começou bem cedo, em 1964, tinha apenas 12 anos.

Como avalia a indústria do turismo ao longo destes anos?
O turismo no nosso país começa a ter importância no final dos anos 50 e início dos anos 60. Muito localizado no litoral, os residentes no norte da Europa e Grã Bretanha começaram a descobrir as praias da Península Ibérica.
Se nos referirmos ao que aconteceu em Sesimbra, penso que no início também acompanhamos essa tendência, O hotel espadarte abriu no final dos anos 50 e no início de 60 iniciou-se a construção do hotel do Mar. Infelizmente ficamos por aí. Lamentavelmente só passados quase 40 anos depois se iniciou a construção de outra unidade hoteleira. Penso que o turismo nunca foi encarado como uma indústria. Era corrente dizer-se no meio que “os turistas não votavam”.
Por outro, ao contrário do que aconteceu em Espanha, com uma visão mais aberta, não surgiram no país nenhuns grupos económicos ligados ao turismo, nomeadamente na hotelaria. São bem recentes os grupos como o VILA GALÉ ou o Grupo PESTANA.
Ou seja, nos últimos anos, eu classifico o período da viragem com o secretário de estado do turismo no tempo da troika que soube conjugar todos os vetores em grande desenvolvimento e fundamentais ao crescimento turístico. O setor dos transportes com o crescimento da aviação e o aparecimento das companhias low-cost, que trouxe os custos com as viagens aéreas para níveis acessíveis, e também na área do alojamento com o crescimento do parque hoteleiro tradicional, chegou finalmente ao nosso país a legislação para os chamados “alojamentos locais”.

Na sua opinião o concelho de Sesimbra beneficiou com o turismo? Em que parâmetros?
Mas é claro que Sesimbra beneficiou com o turismo. Mas penso que poderia ter ido mais longe. A falta de investimento no setor da hotelaria versus crescimento do alojamento local com mais de 2 mil camas, o crescimento da restauração e dos similares, e o aparecimento do sector do turismo de animação e aventura que tem tido nos últimos anos um desenvolvimento e um crescimento altamente positivo.

Comparando os atuais turistas com os primeiros turistas que arribaram a Sesimbra, que diferenças se destacam?
Tal como as sociedades se alteraram, os turistas de hoje também não têm nada a ver com os turistas dessa época. Mas tem dinâmicas diferentes. Logo porque o turismo dessa época era essencialmente elitista. Hoje não.
A OMT- Organização Mundial do Turismo – sempre definiu como turista, “alguém que se deslocava do seu local de residência e temporariamente dispor num novo local de alojamento, cultura e património. Infelizmente não foi isso que aconteceu por diversos fatores, nomeadamente por falta de oferta de serviços vocacionados ao conhecimento da nossa cultura e do nosso património. Pelo contrário, o turista de hoje não é elitista e não dispensa esse conhecimento. E felizmente temos bons profissionais para lhes prestar esses serviços.

Há alguns anos atrás o restaurante o Escondidinho ombreava com os melhores restaurantes de Sesimbra, como é que tudo começou?
Estávamos em inicio de 1980 e na altura trabalhava no aeroporto de Lisboa para a empresa que na altura tinha a concessão dos restaurantes e bares. Era uma empresa com alguma dimensão. Os tempos não eram fáceis na época. A agitação social era constante. Soube por um amigo de infância que o restaurante Escondidinho estava à venda, conhecia bem o estabelecimento, as suas condições de trabalho, a dimensão etc., ou seja o ideal para poder implementar um projeto pessoal, vencedor.

Teve um papel muito importante na divulgação da gastronomia regional, em que o restaurante o Escondidinho fez-se representar com as iguarias sesimbrenses: sopa de peixe, espadarte à casa, saladinha de búzio, caldeirada à pescador e carne de porco à Zimbra, tendo sido distinguido com alguns prémios, que recordações tem?
Recordações! E muita saudade desses tempos. Foram tempos extraordinários e de uma riqueza profissional incomparável. Éramos uma equipa pequena mas com uma capacidade de trabalho muito grande. A parte operacional e criativa era da responsabilidade da minha esposa. É claro que eu também participava, mas tinha de cuidar da gestão.
O êxito desse período, que não foi só nosso, outros restaurantes também participaram, foi a utilização dos nossos melhores produtos sempre confeccionados respeitando as nossas tradições. Conseguíamos transportar a confecção particular/familiar para as grandes quantidades com um rigor quase científico. Daí o êxito que tínhamos nos eventos em que participávamos caso do Festival de Gastronomia de Santarém, representando a Costa Azul, ou em várias cidades espanholas representando essa mesma entidade ou França representando Sesimbra.

O festival nacional de gastronomia era e continua como o palco para as diferentes regiões de Portugal, como se organizavam e quem é que representava Sesimbra?
O festival nacional de gastronomia que se realiza em Santarém desde 1981 e desde essa data que tem procurado levar ao certame os melhores restaurantes do país que tenham como base a gastronomia tradicional das regiões que representam. A organização é da Câmara Municipal de Santarém que convidava as regiões de turismo onde estas existiam ou nalguns casos, principalmente no início, alguns restaurantes que se destacavam ao nível nacional com a sua gastronomia.
No nosso caso o convite surgiu pela região de Turismo Costa Azul e participamos 4 anos nas tasquinhas e em 6 anos no almoço do dia da Região. Este almoço teve sempre a particularidade de ser executado por diversos restaurantes da região, procurando ser o mais abrangente da nossa diversidade gastronómica regional.

Sesimbra tem sido ao longo dos anos palco de eventos/festivais, como por exemplo: festa do peixe e do marisco, semana do espadarte, festival do mar, caldeiradas de Sesimbra, feira do mar, entre outros, como avalia este longo trabalho de anos?
A minha avaliação é positiva com certeza. Nós, quando digo nós, quero dizer todos os participantes, estivemos na vanguarda da divulgação e promoção de Sesimbra. Se tudo correu bem? Claro que não. Logo porque essa dinâmica “morreu”. O grupo que dinamizava estes integrou-se na formação da Associação Comercial e Industrial do Concelho de Sesimbra, cujo objetivo era ganhar força e massa crítica, cujo objetivo final era o desenvolvimento do Concelho.

Presidiu à Associação de promoção turística e gastronómica do concelho de Sesimbra – que balanço faz do trabalho da Associação?
Quando se iniciaram as organizações de eventos de promoção gastronómica, foi eleita uma comissão com representantes de vários restaurantes. Entretanto, para podermos estabelecer os protocolos quer com a Câmara Municipal, quer com a Região de Turismo Costa Azul, foi necessário criar uma instituição mais formal em termos legais. Daí criarmos a Associação. Mas como já referi noutra pergunta atrás, chegou-se à conclusão de que era melhor um outro tipo de organização mais abrangente. De qualquer modo, quer a comissão quer a associação foram iniciativas muito importantes, até porque foram cimentando a firmeza daquele grupo. E já agora se me permite gostava de nomear alguns nomes muito importantes desse grupo: José Filipe (restaurante Filipe); Camilo (restaurante Camilo); Toni (marisqueira Toni), estes já desaparecidos do nosso convívio e ainda Hélder Chagas (restaurante Ribamar), Daniel (restaurante Canhão), etc.
Gostava ainda de referir, para fechar este ciclo, o nome de uma pessoa por quem nutro uma grande amizade e reconhecimento, a Dra. Odete Graça, na altura a vereadora com o pelouro do turismo. A quem, penso, a nossa sociedade ainda não fez o devido reconhecimento.

O foco da empresa Turibolsa é o mercado outbound – como foram os últimos anos com a pandemia do covid-19?
Como deve calcular não nos é fácil falar destes últimos anos. As emoções vividas foram muitas. O nosso choque no dia 16 de Março de 2020, quando os aviões “ficaram no chão” foi, como vamos trazer para casa as pessoas que temos espalhadas por esse mundo.
O segundo problema que pôs foi problema económico. Como iríamos pagar os ordenados e outro, para nós ainda mais grave. As reservas estavam todas a ser canceladas. Os clientes tinham-nos confiado o seu dinheiro, esses valores estavam na “mão” dos fornecedores. Duas palavras mágicas passaram a fazer parte do nosso léxico permanente: “lay off” e “vouchers”.
Ficamos gratos, muito gratos aos nossos clientes, também foram resilientes, souberam esperar. Deixaram-nos respirar.

Considera que este ano dar-se-á a desejada recuperação do sector do Turismo?
Sem dúvida que a recuperação está a acontecer. Ainda não se atingiram os níveis da pré- pandemia.
Infelizmente nem todos os serviços estão a corresponder a 100 por cento. A falta de mão de obra, esta onda que nos está a assolar, sente-se principalmente na parte aérea com muitos cancelamentos de última hora, atrasos o que para nós são problemas acrescidos e que bem dispensávamos.

O movimento associativo também ocupa um lugar no seu percurso profissional – presentemente como avalia o associativismo?
Eu que sempre encarei o associativismo um serviço à comunidade, vejo com alguma mágoa a situação de algumas associações do nosso concelho. Por vezes pergunto, o que é que é preciso fazer para motivar as pessoas a ingressarem nas associações? Não tenho resposta, infelizmente. Faço aqui um apelo aos jovens, principalmente aos jovens, olhem à vossa volta, terão decerto uma instituição que presta serviços, que de certeza vos serão úteis: culturais, desportivas, aquelas que nos prestam serviços indispensáveis como os nossos bombeiros. Ingressem nessas instituições, participem nas suas atividades e verão quanto a vossa vida vos fará um melhor sentido, acreditem.

João Silva

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Director do jornal O Sesimbrense