Kseniya Zmerega, jurista ucraniana, encontra-se a viver em Sesimbra (Sampaio), com o filho, ao abrigo do apoio aos refugiados da guerra. Com a ajuda da tradutora Klavdiya Barsucova concedeu-nos esta entrevista onde nos conta as circunstâncias que a trouxeram até Sesimbra e a espectativa pelo nascimento do seu segundo filho, já no final de Agosto.
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Onde estavam a sua família quando começou a guerra?
Na nossa casa em Kiev. No dia 24 de fevereiro acordámos com o barulho das bombas e grandes clarões no céu e percebemos que estávamos a ser atacados. Ao princípio achei que era uma coisa surreal, custava-me a acreditar: tinha-se falado muito nesta possibilidade mas nunca pensámos que seríamos atacados. Mas acabámos por ter de aceitar que era uma realidade.
Mesmo assim eu insistia em que tinha de ir trabalhar, tinha documentos para entregar, queria ir para o meu emprego. O meu marido convenceu-me que não podia ser e então, logo nesse mesmo dia, dirigimo-nos para a fronteira com a Roménia
E como é que surgiu a oportunidade de vir para Sesimbra?
O meu marido é romeno e tinha uns familiares a viver em Lisboa, já há muitos anos. Pensámos que, pelo facto de termos um filho pequeno, já com quatro anos, e eu estar grávida, seria melhor eu ir para outro lugar onde conhecêssemos alguém próximo da família, e a escolha de Portugal foi por este motivo, por termos esse casal conhecido. Falámos com eles, aceitaram acolher-nos, a mim e ao meu filho, mas não tinham possibilidade de nos alojar em casa, por ser uma casa pequena.
Então, através duma página na Internet, vocacionada para a ajuda a refugiados, preenchi um formulário e no dia seguinte fui contactada por uma voluntária aqui de Sesimbra que me disse já ter uma família que me podia acolher, e em casa de quem temos permanecido até hoje, no lugar de Sampaio.
Como tem estado a decorrer a vossa vida em Sesimbra?
Os portugueses são muito acolhedores, e surpreendeu-me o bom acolhimento deste casal, ambos médicos – o marido trabalha em Setúbal e a esposa em Fernão Ferro. Esta família tem feito tudo para que eu e o meu filho nos sentíssemos como se estivéssemos em casa. O meu filho, quando fala com o filho da Klavdiya, já diz: “quando é que vens a minha casa?”, ele sente que está em casa e que aquela casa é dele.
Eu sinto-me muito bem, fui muito bem recebida, ajudaram-nos em tudo: a escolher a creche, a tratar dos papéis para a Segurança Social.
Podemos dizer que o povo de leste é um bocadinho mais frio, não é tanto de abraçar, de beijar; mas aqui não, e no início fiquei surpreendida por ver as crianças logo com beijinhos e abraços.
Porém, independentemente de me sentir bem, a verdade é que desde o dia 24 de Fevereiro sentimos que vivemos uma vida que não é a nossa, é como se a minha vida tivesse ficado suspensa, tivesse entrado em pausa,
Tudo isto é temporário: quando aqui cheguei pensei que fosse durar apenas um mês, mas agora já não sabemos quando irá acabar. Aqui não temos bombardeamentos, mas existe este stress de não saber o que será o dia de amanhã: é uma coisa que está muito presente. Não sei quando é que poderei ver o meu marido, quando é que poderei ver a minha mãe, os amigos, ou quando é que poderei voltar a viver a minha vida. O que sinto todos os dias é que esta vida não é minha.
Penso que esta situação acabará por se resolver, mas não acredito que seja rápido. Não tenho dúvidas de que a Ucrânia vai vencer esta guerra, não vai desistir, não vai entregar nada. O medo que tenho é de que o conflito se prolongue por anos, como aconteceu no Donbass.
Esteve a aprender português?
Sim, tivemos um curso de dois meses e meio, todos os dias, duas horas por dia.
Era difícil?
Era difícil porque as aulas eram dadas em inglês e muitas das pessoas que participaram nem sequer sabiam inglês.
O seu filho vai nascer em Portugal: como é que encara isso?
Estou confiante em relação ao parto, vai correr bem, confio nos hospitais portugueses e nos médicos. Tenho apenas algum receio por não ter a companhia de nenhum familiar próximo, neste momento tão importante. Consigo falar com os médicos em inglês mas gostava de ter alguém que falasse a minha língua – e que em princípio será a Klavdiya.
Gostaria de acrescentar mais alguma coisa?
Gostaria de salientar que estou muito grata à União Europeia e especialmente a Portugal, onde têm sido incansáveis no acolhimento. Um dia, quando esta crise tiver passado, gostaria que as pessoas que me acolheram pudessem viajar até nossa casa para lhes mostrarmos a Ucrânia, e mostrar que a Ucrânia merece estar na União Europeia.
João Augusto Aldeia