O dirigismo desportivo e as Bodas de Diamante do Grupo Desportivo de Sesimbra

Odete Graça

Ao celebrar as Bodas de Diamante do Grupo Desportivo de Sesimbra, com os seus 75 anos, é fundamental enaltecer o espírito de um punhado de homens que no dia 10 de agosto de 1947, souberam dar as mãos para fundarem o que hoje é um Clube de referência no concelho de Sesimbra.
A história da vida local, e em especial a desportiva e associativa, continuará a congratular-se por esse gesto tão nobre que no século passado marcou o futuro e a história de vida de muitos sesimbrenses. Que o diga o Sr. Lugdero Caleiro que com a “tenra idade e uns saudáveis 90 anos”, bem sabe contar a história deste pedaço de vida que presenciou e marcou os seus dias … pois ainda hoje é dirigente do Grupo Desportivo de Sesimbra. Será certamente o dirigente com mais anos de intervenção voluntária na vida associativa no município de Sesimbra.
É justo realçar que ao longo deste percurso, os dirigentes do Grupo Desportivo de Sesimbra sempre assumiram uma visão de futuro ajustando as suas perspetivas ao crescimento desportivo e à melhoria das condições dos equipamentos do Grupo para a prática de novas modalidades, como foi o caso da Natação, Voleibol e Badminton. Já que o Futebol e o Hóquei em Patins sempre foram os reis e quase a razão de ser deste Clube.
Também a modalidade da Ginástica, que havia começado pouco tempo depois da inauguração do Pavilhão Gimnodesportivo, em abril de 1977, foi a novidade desportiva da época, enaltecendo o espírito de Festa da Ginástica quando ocorriam os saraus, cheios de afeto entre pais, filhos e familiares.
A modalidade foi então iniciada pelos professores e meus amigos Joaquim Niny Mestre e Leonor Mestre, com quem tive o privilégio de trabalhar, ao orientar classes de Ginástica que marcaram o ritmo de trabalho e a aprendizagem da modalidade junto de muitos jovens sesimbrenses.
Mais tarde, com a presença do amigo e colega Nelson Fernandes, e de outros professores como foi o caso da participação dos colegas João Rodrigues, Elizabete e Pelágio Moreira, e com o objetivo de incentivar o gosto pela prática desportiva e da Ginástica em particular, todos cooperaram na formação de vários grupos de Ginástica, desde infantis, rítmica e de trampolins.
Durante alguns anos, o trabalho nesta modalidade foi valorizado pelo Clube e prestigiado pelos seus atletas ou ginastas sesimbrenses que alcançaram patamares nacionais e até internacionais como foi o caso de Lurdes Sousa, que representou Sesimbra em Campeonatos Europeus de Trampolins.
Foi para mim uma honra ter vivido de perto, uma pequena parte do seu percurso desportivo, mas é de elementar justiça salientar que este Clube projetou Sesimbra além-fronteiras e contribuiu de um modo muito prestigiante para o desporto nacional.
A par da vida do Clube, foi fundamental o trabalho desenvolvido pelos colaboradores-amigos do Ginásio, como era o caso da D. Elvira e do Sr. Júlio, mas também da sua filha, a Manuela, que eram verdadeiros guardiões do Ginásio e das suas atividades.
A presença dos dirigentes do Clube é uma constante no acompanhamento da vida desportiva, em especial juntos dos treinadores, atletas e jogadores, sócios e dirigentes de outras coletividades, de associações e federações desportivas, sem esquecer os órgãos autárquicos, mas sobretudo partilhando projetos e ações de âmbito municipal e regional como foi o caso mais recente do SUMMER CUP.
Daí que seja indiscutível reconhecer, com clara evidência, o trabalho que ao longo destas 7 décadas e meia, foi assumido pelos seus dirigentes, embora alguns infelizmente já não estejam entre nós, mas sempre se empenharam na promoção do desporto, em várias modalidades e junto de vários setores da população sesimbrense.
Através do seu espírito de abnegação e disponibilidade sempre souberam perspetivar um clube de referência no concelho na região e até no país.
Quem não se lembra da vitória de Sesimbra na 1ª edição da Taça CERCES em Hóquei em Patins … ganha em 1981… grande dia … grande glória!
Alias, a modalidade de Hóquei em Patins foi uma referência no panorama nacional e internacional, que o diga o nosso ex-jogador, ex-selecionador nacional e hoje presidente da Federação de Patinagem de Portugal – Luís Sénica.
É um facto que em qualquer clube ou associação a intervenção do dirigente é fundamental para que aconteça desporto, cultura, recreio ou lazer.
Sem a sua dedicação e espírito de voluntariado não seria possível haver transformação social, cultural, desportiva e até económica, na sociedade e nas comunidades locais onde se inserem.
Segundo a Conta Satélite da Economia Social (CSES) de 2016 que envolve o Instituto Nacional de Estatística, constatava que … existiam cerca de 78 800 Unidades de Atividade Económica, envolvendo o Ensino, a Saúde, Fundações, Misericórdias entre outras, mas a Cultura, Comunicação e Atividades de Recreio com cerca de 33 700 Unidades corresponde a cerca de 46,9%, seguido da Religião e dos Serviços Sociais que são respetivamente, 11,9% e 9,7% do total de unidades.
Porém, destes quase … 47% do total de unidades apenas 5,0% representam emprego remunerado.
Perante estes factos… é importante questionar afinal o que é ser DIRIGENTE, e qual a sua remuneração …, mas para o podermos definir … recorremos a uma definição francesa, dada a sua simplicidade e veracidade, que nos diz que … “é alguém que trabalha voluntariamente, de bom grado e sem ser obrigado, independentemente de ser ou não remunerado”.
Na realidade, aos olhos da sociedade portuguesa e, muitas vezes dos próprios dirigentes, estes consideram a sua intervenção como uma posição de baixo prestígio …, mas na realidade o seu contributo é indispensável ao sistema desportivo português.
É um facto que o papel do dirigente na sua expressão mais ampla e para o dirigismo desportivo, em especial, tem sido uma matéria que em termos europeus já mereceu referência no Livro Branco do Desporto, lançado pela Comissão Europeia em 2007, embora outras referências bibliográficas entretanto publicadas tivessem também abordado a mesma temática.
Na verdade, há um reconhecimento público das entidades europeias sobre esta realidade, mas é ainda insuficiente … embora tenham referido que … e vou citar…
“a esmagadora maioria das atividades desportivas tem lugar no quadro de estruturas sem fins lucrativos, muitas das quais dependem de apoio financeiro para garantir o acesso de todos os cidadãos às mesmas; … este apoio financeiro é importante para o desporto de base e o desporto para todos; e salienta que … o desporto organizado é fortemente dependente do empenho dos voluntários”.
Todos reconhecemos que embora esta constatação tenha ocorrido a nível europeu há mais de 15 anos, na realidade, em Portugal, pouco ou nada mudou, sobretudo na perspetiva da valorização, proteção e promoção do trabalho dos dirigentes desportivos, considerando que o seu contributo é a favor do interesse público.
A este propósito podemos destacar reflexões, estudos e publicações, já conhecidos, como por exemplo a longa bibliografia da responsabilidade do Professor Alfredo Melo de Carvalho, que tem dedicado muito da sua reflexão ao papel indiscutível do dirigente numa dimensão cultural e formativa, na promoção da atividade desportiva, na revitalização dos clubes e na promoção da vida social. Os reflexos do seu trabalho nas comunidades locais, são igualmente evidenciados no livro “O Dirigente Desportivo Voluntário” entre outras publicações, nos períodos de 1997 e anos seguintes.
Na sequência desta abordagem, aliás já analisada por vários autores, é também oportuno sublinhar uma publicação editada recentemente pelo Comité Olímpico de Portugal, sobre “O Dirigente Desportivo em Portugal” e assinada pelo seu Presidente, José Manuel Constantino, onde destaca vários estudos que se têm desenvolvido sobre esta temática os quais sublinham que …. cito … “É graças ao esforço de milhares de cidadãos anónimos que, por todo o espaço nacional, dedicam diariamente o seu tempo e esforço pessoal e até familiar… “
Ainda segundo a mesma publicação convém destacar alguns dados sobre o voluntariado em Portugal, os quais, analisados apenas na perspetiva desportiva, necessariamente, podem ainda agravar-se. Senão vejamos:
Regista-se, com justificada preocupação,
1. Apenas 12,7% da população nacional se encontra em atividade voluntária ou benévola;
2. Apenas 17% da população, que exerce atividade voluntária ou benévola, tem menos de 20 anos;
3. Apenas 16% da população, que se encontra em atividade voluntária ou benévola, tem um grau superior universitário, sendo que 33% não cumpriram o regime de escolaridade obrigatória;
Salvo melhor opinião, as razões subjacentes a estes valores refletem aspetos sobre os quais devemos ter alguma reflexão, mas sobretudo das nossas instituições governamentais, senão vejamos as consequências a curto prazo:
1. Um número reduzido de agentes voluntários ou benévolos, a julgar face ao valor total da nossa população;
2. Um envelhecimento da estrutura e uma carência de renovação geracional;
3. Uma formação deficitária, … que são relativamente previsíveis, se tomarmos em consideração a ausência de medidas que promovam a regressão desse caminho.
Esta realidade diz-nos o seguinte:
O modelo desportivo nacional alimenta-se, na sua grande maioria, se não na totalidade, destes agentes desportivos que são ocultos no quadro da nossa Política Desportiva Nacional, e que indiscutivelmente tem reflexos também a nível local e até regional.
Por essa razão … e porque já se passaram muitos governos sem que se perspetive a intenção de valorizar o papel do dirigente, é fundamental que o Estado/Governo garanta e preserve um bem público que é o desporto, que à luz da nossa Constituição é considerado um direito para a população portuguesa.
Mas se um clube vive na base de várias estruturas sociais, culturais e desportivas, elas são indispensáveis ao fomento da atividade desportiva e da música, da cultura popular e das tradições, da dança e do folclore, do apoio social ao religioso, mas sempre a pugnar por objetivos fundamentais ao serviço da população portuguesa. Este é por excelência o patamar mais importante da sua vivência da comunidade local.
Aqui se unem vários saberes … desde o conhecimento geral ao profissional, sejam eles treinadores ou professores, atletas, jogadores ou utentes, músicos, mestres ou dançarinos, sócios ou apoiantes … associações, empresas ou federações, mas todos, sem exceção, têm indiscutivelmente no Poder Local, uma porta aberta ao apoio para as atividades, protocolos de financiamento aos equipamentos e cooperação na dinamização e implementação dos seus projetos.
Sejamos claros, porque os números falam por nós …
Numa publicação recente, mais concretamente em abril de 2021, da responsabilidade do Instituto Nacional de Estatística, e designada por DESPORTO EM NÚMEROS, é dedicado um capítulo ao Financiamento público das atividades desportivas que salienta que:
Em 2020, os 308 Municípios do país afetaram às atividades e equipamentos desportivos 301,0 milhões de euros.
Aquele montante representou 3,4% do orçamento das Câmaras Municipais.
A Construção e Manutenção de Infraestruturas foi o subdomínio com mais expressão (38,4%), seguindo-se as Atividades Desportivas (30,4%) e as Associações Desportivas (24,3%), que em conjunto totalizaram 93,1%.
A despesa média nacional por habitante em Atividades e Equipamentos Desportivos foi 29,2 euros.
No mesmo ano, o financiamento do Instituto Português do Desporto e Juventude às Federações Desportivas foi de 40,8 milhões de euros.
O Apoio às Atividades Desportivas destacou-se com 53,5% do total, superando a alta competição (38,3%).
As evidências dos números falam por si só, demonstrando o quanto tem sido fundamental para a vida dos clubes e ou associações locais, o financiamento aos equipamentos desportivos, sociais e culturais e o apoio às suas atividades, onde o Poder Local, e em particular as Câmaras e Juntas de Freguesia têm sido o verdadeiro suporte da sua vida associativa.
Mas se a expressão financeira é tao evidente quanto podemos constatar, é igualmente necessário e urgente estruturar uma Política Desportiva Municipal que possa corresponder às reais necessidades locais.
Esta perspetiva deve contemplar planos e projetos estratégicos, capazes de orientar o tecido desportivo local, tendo presente os seguintes aspetos:
O diagnóstico sobre as reais necessidades das populações locais; o fomento à promoção e apoio aos estilos de vida saudável através do incentivo à atividade física, nos diferentes setores sociais; a definição de prioridades em equipamentos e formação desportiva generalizada, considerando a valorização das componentes, escolar, formativa, competitiva, lazer, turismo e até empresarial; a criação de regras e normas de apoio ao movimento associativo; e por fim dinamizar a criação de estruturas representativas do setor desportivo enquanto parceiros fundamentais da dinâmica desportiva do concelho.
Deste modo estamos a contribuir para o desenvolvimento integrado do município aos dias de hoje, mas com os olhos postos no futuro, dada a sua primordial importância enquanto Poder Político Local e à sua vocação baseada no conhecimento da vida local junto dos seus munícipes ou fregueses.
Neste quadro sabemos bem o quanto tem sido fundamental a presença efetiva dos Órgãos Autárquicos do nosso concelho, que ao longo dos anos não têm regateado a sua permanente presença na vida dos nossos clubes.
E se hoje registamos mais uma etapa da vida do Grupo Desportivo de Sesimbra, quando estamos a comemorar os seus 75 anos, é bom que possamos fazer uma reflexão, não tanto no registo das suas memorias, igualmente muito relevantes, mas sobretudo sobre o seu futuro e o quanto cada um e cada uma poderá contribuir para a sua dinâmica.
É cada vez mais urgente pugnar pela valorização do papel do dirigente e do seu estatuto bem como pela melhoria de condições de acesso a fundos financeiros e respetivos apoios de comparticipação governamental, sem esquecer um quadro legislativo no âmbito de uma necessária Política Desportiva Nacional.
A terminar, deixem-me destacar o esforço, abnegação e espírito de voluntariado, que todos os elementos dos diferentes Órgãos Diretivos do Grupo Desportivo de Sesimbra têm assumido nos últimos anos, por vezes sem tempo para familiares, amigos e até para a sua própria vida.
É oportuno salientar que têm sabido ultrapassar os ventos e marés, com bons e maus momentos… mas sem nunca desistir de trabalhar pelo seu clube e pelos seus objetivos, com sentido ético, com respeito pelos seus parceiros e sempre disponíveis para partilhar ideias e projetos que ajudem a promover Sesimbra e os sesimbrenses.
Permitam-me, contudo a ousadia ao saudar, de modo muito particular, o jovem que com cerca de 30 anos, era então o mais jovem dirigente … assumia a Direção do Grupo Desportivo de Sesimbra, e hoje, Sebastião Patrício, continua a ser o seu presidente. Deixo uma palavra de grande apreço pela forma como tem sabido assumir a liderança e os destinos deste Clube, mas sempre disponível para cooperar na construção de um concelho amigo do desporto.
É um reconhecimento coletivo e publico, que certamente muitos aplaudem, e com a renovada esperança de que continue a caminhar com longevidade e dinamismo a bem do Grupo Desportivo de Sesimbra e dos sesimbrenses em geral.

Odete Graça /julho – 2022

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Director do jornal O Sesimbrense