A carreira como futebolista foi curta – “tinha técnica mas pouca compleição física”, disse-nos um dos treinadores que trabalhou com ele nas camadas jovens -, pelo que muito cedo decidiu enveredar pela carreira de técnico. “A minha paixão pelo futebol é enorme, a bola era a minha ferramenta e ocupava-me os tempos livres”, afirma. E relembra: “Pratiquei desporto, em especial futebol, mas com o andar do tempo, ao estar à beira do escalão de sénior, constatei que tinha poucas hipóteses de chegar mais longe e decidi ir para a faculdade. Na altura, organizava torneios, de futsal e de futebol de praia, por alturas do Natal, Páscoa e férias de Verão e seleccionei os melhores para as taças snikers e coca-cola. Tive sucesso, pois vencia as provas em que participava.” E prossegue: “Um dia, um amigo, ao saber que eu organizava esse tipo de torneios, convidou-me para tirar o curso de treinador de I nível. Foi o Branquinho, do Zambujalense. Entrei nos escalões de formação do Belenenses e percorri todos os degraus até chegar aos seniores e a desempenhar várias funções. Todos os anos tirava cursos: aos 19 anos já tinha o de II nível. Pouco tempo depois o Jorge Jesus foi para o Belenenses, houve uma reestruturação e um dos adjuntos do Jesus lançou-me no futebol sénior. Seguiu-se o Pinhalnovense, que jogava na antiga II Divisão B, onde trabalhei com o Toni (António Conceição). Rumei à Madeira e estive seis meses no Pontassolense. A convite do Tuck, na altura secretário-técnico, regressei ao Belenenses para fazer análise de vídeos das equipas. Participava nos treinos e trabalhei com o Jaime Pacheco, João Carlos Pereira, Casimiro Mior, José Couceiro, Carlos Carvalhal e António Conceição.” O desfiar das recordações continua: “ Entro num curso de III nível, já no âmbito do futebol profissional e conheço nessa altura muita gente. Recebi um convite do Van der Gaag e fui com ele para o Marítimo. Participámos na Liga Europeia. E entro no curso de IV nível. Sou o treinador mais novo em Portugal com maior grau de formação, posso treinar qualquer clube ou selecção em qualquer parte do Mundo. Estive um ano parado, voltei a estudar e concluí a licenciatura. Fiz alguns estágios e em Dezembro de 2011 recebi três propostas: ir trabalhar para a Europa, Ásia ou África. Acabei por abraçar o projecto do Diamantino Miranda e rumei como seu adjunto até ao Maputo, capital de Moçambique, para treinar o Costa do Sol. Em 2014, com a saída do Diamantino, desempenhei as funções de treinador interino e em 2015 fui vice-campeão nacional e finalista da Taça: perdi nas grandes penalidades com o Ferroviário de Nacala. Em 2016 regresso a Portugal e abraço um projecto no Moura. Coloquei um clube alentejano com pouco recursos financeiros a lutar pela subida à II Liga com o Casa Pia, Cova de Piedade e União de Leiria. Em 2017 regressei ao Costa do Sol, onde voltei a ser vice-campeão nacional e ganhei a Taça de Moçambique e a Taça do Maputo. Passados dez anos o clube regressou às Afrotaças e é aquele que tem mais troféus.” E agora, como vai ser o futuro?
O FERROVIÁRIO É A NOVA APOSTA
“Regresso no início de Janeiro para o Maputo mas o destino é o Ferroviário. Os objectivos são conquistar todos os troféus, um desafio difícil, mas estou motivado porque é um clube grande que quer ganhar. A conjugação das nossas vontades vai permitir que 2018 seja muito positivo. Queremos ganhar títulos e competir nas provas internacionais. Para além de treinador, sou docente na Faculdade EM (Eduardo Mondelane, figura carismática da Frelimo). É uma faculdade pedagógica, dou formação a treinadores e tenho outros projectos em mente ligados ao futebol para um futuro próximo. É um país com muitas oportunidades.” Nestes anos será que o Moçambola evoluiu enquanto campeonato nacional? “O Moçambola evoluiu nestes últimos cinco anos. O país tem crescido em todos os sentidos, evoluído bastante (gás natural, carvão e a hidroeléctrica de Cabora Bassa ajuda muito o Estado na amortização da dívida) e o futebol tem acompanhado esse crescimento a nível de afrotaças. A selecção nacional, os Mambas, sob as ordens do Abel Xavier, tem evoluído a nível de qualidade de treino e de jogo. O futebol é que fica a ganhar e a selecção nacional. A meta é entrar no CAN e um dia conseguir a qualificação para o Campeonato do Mundo.” Quais as outras modalidades que cresceram? “O basquetebol é muito forte e há o hóquei em patins com tradições”, assegura. No tocante aos meios de Comunicação Social como está a situação? “Há seis canais televisivos, algumas estações de rádio, uma delas acompanha o desporto e os jogos do campeonato português. Temos diversos jornais diários. As únicas limitações situam-se na minha área: há falta de campos de futebol. Mas, onde estive não há esse problema”, sublinha Nélson Santos, que confessa: “Não tive problemas de adaptação, o facto da língua ser comum facilita bastante. Temos sempre Verão o ano inteiro e é um país extremamente seguro, tanto na capital como nas províncias. Aqueles que querem dinamizar o país são bem-vindos, uma pessoa sente-se bem em Moçambique. O turismo tem crescido bastante. Os locais mais procurados São Bazarute e a praia de Bilene, fica a hora e meia do Maputo. As acessibilidades na capital são muito boas, mas nas províncias ainda há algumas estradas de terra batida. As linhas aéreas moçambicanas (LAM) cobrem todo o país e há autocarros para todo o lado. Nas cidades temos o choupela, o chapa e o machimbombo, são os transportes públicos que existem. Ir do Maputo até à Beira (segunda cidade do país) é seguro. Em qualquer resort há comida portuguesa e acomodações com qualidade”, sublinha o nosso interlocutor. Em relação à população, “80/90% são benfiquistas e o futebol está no seu ADN. Em África ainda há o futebol de rua, qualquer coisa serve de bola. É um país com muitos talentos, trabalho com muitos jogadores com técnica mas falta alimentação, descanso e refrear a posse de bola. Há que colocar o máximo de jogadores na Europa e assim eles podem dar qualidade de vida às suas famílias. Hoje, o nome mais falado é o Dominguez, joga na África do Sul. As pessoas falam do Eusébio e do Coluna, mas o Samora Machel (o primeiro presidente da República) é a referência do povo”, acentua. E reforça: “Há o pintor Malangatana e o escritor Mia Couto, igualmente referências da cultura moçambicana.”
A Gorongosa, perto da Beira, é famosa. “Ainda é um local selvagem, muito procurado pelos turistas. No Songo, na hidroeléctrica só há engenheiros portugueses. No campo do turismo Pemba (a antiga Porto Amélia), capital da província de Cabo Delgado, a ilha de Moçambique e o lago Niassa são locais de referência. Todos os anos crescem os hotéis e os restaurantes e para bolsas diferentes. No Maputo sinto-me em Portugal. Vale a pena investir em Moçambique. É ainda um terreno virgem em muitas áreas. As pessoas vivem mais a vida, transmitem uma energia positiva”, analisa o técnico.
O COMBOIO DO FUTEBOL SÓ PASSA UMA VEZ
O início da época futebolística está à porta, o Songo é o campeão. “Mostro aos atletas vídeos e lembro-lhes que o comboio do futebol só passa uma vez à porta e às vezes nem passa. Antes tínhamos emprego para a vida, agora é uma vida para encontrar emprego. Vou levar comigo dois jogadores cabo-verdianos. Estive recentemente em Cabo Verde a observar atletas. Estive nas ilhas de Santiago e do Sal, é um país onde o turista é bem recebido. Há talento em cada esquina, em cada bairro, em cada rua e em cada canto. Em Cabo Verde respira-se e come-se futebol. Há muito futebol de rua”, vinca.
Em relação ao futebol português diz que esta geração “merece ser campeã do Mundo”, que o campeonato português está “nivelado por cima”. O único contra é “falar-se hoje pouco de futebol e mais de assuntos que mais parecem telenovelas”.
Afirma que “não é normal” aparecerem em simultâneo dois jogadores como o Cristiano Ronaldo e o Messi e que num futuro próximo “poderá ser o Neymar”. Admira as qualidades do belga De Bruijne (Manchester City), porque “é inteligente, defende e ataca, é um jogador completo. Tem todas as condições para evoluir e tem um grande treinador: Pep Guardiola”, analisa o jovem treinador que diz “não ter clube”. Defende a verdade desportiva, a transparência, mas “às vezes parece que se está numa batalha naval por causa do vídeo-árbitro e não só. Talvez se devesse ter testado primeiro esta ferramenta, noutros campeonatos, como em Espanha e em Inglaterra, utilizam imagens em 3D e de aproximação. Aquilo que eu gosto no futebol é a imprevisibilidade, uma certa malandragem e tudo isso se perdeu. Qualquer dia temos o time-out. O futebol é um jogo de grande intensidade, se o árbitro o interrompe várias vezes para se socorrer do VAR o ritmo de jogo quebra-se, o que pode prejudicar uma equipa”, conclui.
Alves de Carvalho