Começamos por uma estrofe do hino litúrgico que se encontra na p. 32 do livrinho publicado em 2005 pelo Padre A. Sílvio Couto, então nosso pároco, e que se intitula «Senhor Jesus das Chagas: descoberta contínua de vida». História, novena e poemas.
Diz a estrofe que nos impressionou pela sua atualidade:
«Porto feliz preparaste
Para o mundo naufragado
E pagaste por inteiro
O preço da redenção,
Pois o sangue do Cordeiro
Resgatou as nossas culpas.
Deus quis vencer o inimigo
Com as suas próprias armas.
A sabedoria aceitou
O tremendo desafio
E onde nascera a morte
Brotou a fonte da vida».
A que atualidade me refiro? Àquela que estamos a viver nestes dias, a invasão da Ucrânia, não pessoalmente, mas acompanhando dia após dia o seu incrível desenvolvimento através da televisão.
No nosso tempo de liberdade e democracia, de direito internacional, de Organização das Nações Unidas, custa-nos a aceitar que um País se sinta no direito de invadir as fronteiras de outro País justificando-se com o temor do outro se aliar com um vizinho mais forte…
Então o Direito Internacional não tem valor? Só a força manda no nosso mundo?
O hino fala de «mundo naufragado» e é assim que nós nos sentimos neste momento, vendo toda a devastação que arrasa uma terra antes fértil, um País em progresso, com lindas cidades, um povo livre e feliz… Será possível? Nada consegue parar esta ganância destruidora? Se nos acontecesse a nós?…
Em Sesimbra celebramos o Senhor Jesus das Chagas, cuja festa se celebra a 4 de Maio, aniversário do achado da Sua estátua na nossa praia, junto da Pedra Alta, no longínquo 1534.
Por isso, temos o livrinho na mão, e daí nos vem a luz que nos surpreende: «Deus quis vencer o inimigo com as suas próprias armas». As armas do inimigo são a morte. E Deus venceu o inimigo precisamente com a morte, a morte de Seu Filho, «o Cordeiro» pascal, que não pactuou com o inimigo, mas – inocente – se entregou à morte! O Seu sangue, as Suas chagas, «pagaram por inteiro o preço da redenção».
É o que está a acontecer com o povo ucraniano. Na corajosa resistência, com o seu sangue ele está a pagar o preço da redenção. Não sabemos como acontecerá a sua libertação, mas constatamos que através dos seus chefes, com o apoio do seu povo, com a surpreendente ajuda da comunidade internacional, «a sabedoria aceitou o tremendo desafio».
Este desafio está a decorrer… Em campo há um tremendo jogo de forças. Como aconteceu com o Senhor Jesus das Chagas, a força deste povo chama-se AMOR. AMOR INFINITO. Neste caso à própria pátria, à própria história, à própria liberdade, aos próprios valores… O mundo está impressionado com tanta coragem…
E é só por isso que esperamos que, também para eles, o Amor seja mais forte do que a morte e – como aconteceu a Jesus – da cruz «onde nasceu a morte, brote a fonte da vida». De 24 a 2 de Maio decorreu entre nós a Novena do Senhor das Chagas. No quarto dia, veio pregar um Padre ucraniano, vice-pároco na Quinta do Conde e Azeitão, o Padre Ivan Petliak, que nos disse: «Estamos a viver um tempo tão especial para o meu povo, mas também para todo o mundo. Olhamos para as chagas do Senhor, mas sofre agora o mundo inteiro. Depois de duas guerras no século passado, ainda não conseguimos aprender bem o que é a Paz, e o seu valor». Mais adiante, falando da transmissão da Fé, acrescentou: «No nosso mundo a chama da Fé diminui cada dia. É importante descobrir esta chama da Fé, enquanto ela existe nos corações»…
Esta «chama» é uma força maior de todas as outras. É a força que nos inspira o Senhor das Chagas. Ele passou pelo sofrimento e pela morte – por nosso Amor – e por isso ressuscitou. Do nosso «mundo naufragado»… chegou ao «porto feliz», que é o abraço de Seu Pai.
E não chegou sozinho. A sua inocência humana e a sua divindade levaram-no a «pagar por inteiro o preço da (nossa) redenção», a «resgatar as nossas culpas».
Sem Fé não chegaremos ao «porto feliz» que o Senhor das Chagas «preparou para o (nosso) mundo naufragado». Ele já lá chegou com a Sua ressurreição, e pagou por nós, habilitando-nos a chegar lá também, mas não será sem haver da nossa parte uma imersão de amor no Seu Amor, da qual o Batismo é o sinal. E depois, pela vida fora, luta fiel e perseverante entre as tempestades do mar que nos separa do «porto feliz».
Ele diz-nos isto todos os anos na Sua novena. E também se O formos visitar na Capela no momento da dificuldade… Faz-nos refletir e enche-nos de amor e coragem. O Seu Amor venceu a morte e a Sua ressurreição abraçou-nos consigo, quando nela fomos batizados.
Agora, temos de seguir em frente… com Ele!… confiando-Lhe este nosso mundo, para que não naufrague, mas da Cruz, «donde nasceu a morte, brote (ainda e sempre) a força da vida»!
Na nossa novena e na procissão no dia 4, vamos olhar com amor para o Seu rosto de sofrimento, e vamos pedir para nós e para o povo ucraniano o «porto feliz» da Salvação, que Ele nos preparou.
Mª Silvina Palmeirim