Sebastião Correia Rodrigues

O jornal “O Sesimbrense” convidou o pescador Sebastião Correia Rodrigues, mais conhecido por “Fifas”, a relatar algumas passagens da sua vida: um dos últimos lobos do mar recorda a árdua profissão de pescador e as contingências de uma vida sempre dedicada à pesca e ao mar. Diversas artes de pesca, diversas épocas da vida de Sesimbra, várias décadas
de memórias preciosas onde não falta a evocação dos camaradas dessa epopeia.

Como se chama?
Sebastião Correia Rodrigues

Qual é o nome com que é conhecido?
Quando era pequeno e andava ao mar puseram-me o nome “Fifas” e ainda hoje estou para saber quem me pôs esse nome, dantes era assim…

Qual é a sua idade?
No dia 24 de outubro fiz 93 anos.

Recorda-se do seu primeiro dia na faina?
Eu queria era mar, fui para o mar com nove anos. Já andava o meu irmão que tem mais três anos que eu, está no Canadá, está num lar mas está vivo.
Andávamos ao mar, o meu pai, eu e o meu irmão andava-se para norte para o Cabo Espichel, dentro de uma aiola, remo e vela e não havia motores ainda, ia-se à Pedra dos Vidros que é no mar do Cabo Espichel, ia-se à Pedra do Castelo no mar do Pião, ao norte do cabo, é do tempo do Guiné, Zé da Horta, gente antiga tudo.
Andava-se aqui ao peixe-espada, das armações, o peixe-espada houve muito por todo o lado. Chegámos à armação do Ilhau, no mar Morro, o Ilhau era novo, era eu e o meu pai e o meu irmão, eu e o meu irmão à popa da aiola, dantes era botes, agora é aiola, fala o povo direito. Dizia assim o meu pai: a gente ajeita a pesca ao peixe-espada e ele tinha uma pesca que chamamos a “zagaia” era o peixe feito dum tijolo, feito à maneira do peixe eu era pequeno, lembro-me dele, à noite, com uma frigideira, um fogão a petróleo e a fazer a zagaia, era de chumbo e a fazer a moina do peixe.
Chegámos uma vez ao Ilhau, à armação — eu sei o nome das armações, já conto daqui a bocado “— estávamos na armação do Ilhau, aqui no mar da Ponte, estava o filho do Cláudio era só a aiola que estava na volta com a gente.
E dantes os pescadores todos, o puxar da piteira, a piteira é uma pesca de mão, puxar era assim (o sr. Sebastião exemplifica com as mãos) dizia assim o meu irmão: “— Ó pai, o pai faz assim, mas se fizer assim não é a mesma coisa?” Faz mesmo assim e assim foi pois para todos fez-se uma fortuna, a puxar, pargos de morro, madeireiros, peixe-espada. Andei uma vida inteira e passei por isso tudo. Houve muita gente a queixar das mãos e fui no princípio de pequeno, sempre a jeito, poucas aiolas havia nesse tempo, havia o Guiné e havia outra aiola também e ia-se lá e não havia redes nenhumas. Ia-se às armações do peixe-espada e vendia-se os peixes-espadas que tinha, chegava-se aqui a terra dizia assim o meu pai: “— Olha lá vai lá à tua mãe, buscar uma teca de café“— que era o pó preto, chamavam-lhe o “Etíope” (casa que vendia o pão) ficava na parte de cima do Charrinho, foi do tempo do ciclone, perderam-se as aiolas todas, tinha onze anos, estivemos à espera da aiola da casa dos pescadores. Havia três sacadas; Chico Faniço, Chico Correia e Chico do Artur e nas sacadas, eram dois botes; um bote aqui e o outro ali e tinham uma vara espetada pela proa e outra pela popa, como um lenço de quatro pontas, era deitar o engodo para o meio na parte da tarde e quando pensavam iam lá, era levantar — como um lenço de quatro pontas, o peixe estava lá todo. De noite havia uma lanterna a iluminar. Trouxe o café e um bocado de pão, eu com um remo na mão e o meu irmão com o outro remo e o meu pai à proa. Não havia redes nenhumas e chegava-se à Pedra dos vidros ou à Malha ou ao Fogaço pedra em frente à Bifa no cabo Espichel, conheci todas essas pedras do Norte desde muito novo e não haviam redes nenhumas e estavam lá todos os peixes: pargos do morro, madeireiros, robalos, não se matava como uma traineira, aquilo era a pesca, matava-se uns seis ou sete e não se matavam mais.
Os meus pais tiveram sete filhos, três rapazes e quatro raparigas. o meu pai morreu tinha eu treze anos e meio, o que é que sucede, costuma-se dizer morre o pastor, derrama-se as ovelhas, toda a vida foi. Eu sou da família “Ratinhos” do meu tio Alberto e do Sebastião Pitorra, era uma grande família. Dizia assim a Ermelinda, a filha do Ratinho: olha lá o meu irmão era “Lelo” de “apelido”, mas era Manuel, dizia assim: “— Queres ir embarcar?“ Tinha ele dezassete ou dezoito anos, foi levado e embarcou, teve 16 anos embarcado, por fim foi para o Canadá e ficou por lá, comprou um andar e lá ficou.
A minha irmã, uma estava em casa da Tia Elisa, no tempo que não havia nada, era a minha irmã Mel casada com o Casaca que tinha ovelhas da Tia Inês e eu andava ao mar, arranjei um camarada, o primeiro camarada com que andei à pesca foi o Minas, que mais tarde, ficou sem as duas pernas por doença. Quer dizer o primeiro dia que fui ao mar, depois de casado, disse assim para o Zé Russo, que era também meu vizinho, Ti Zé já viu: “— Casei-me e no primeiro dia nem um tostão ganhei”, ele disse: “— Não apanhaste nada, deixa estar que depois aparece peixe”, e depois apareceu peixe a valer… e é assim pá.
Andaram uns poucos camaradas comigo, o sóce era meu amigo, o “cabo Langão” que é o Henriques, que já morreu, o Minas, andou também o Sequeira, o apelido era o Sequeira, foi o último camarada com quem andei à pesca, andei com uns poucos de camaradas.
Arranjei um amigo, que era o Henrique Sineiro (mestre), mais novo que eu, ele andava na traineira, que ainda é viva; “A Sesimbrense” e ele era é um grande amigo meu, o peixe-espada tinha falhado aqui em baixo, e o peixe-espada “tá ralasse” em Sines, diz ele assim para mim, era eu, o Carlos Augusto, que era muito meu amigo, quase como um irmão e era o Parte Certa levou a gente durante três horas na traineira para Sines.
Chegámos lá, o nome daquilo era a Galheta, que era um bocado de praia e era ali a lota. Arriou as aiolas lá ao pé deles, o mar estava calminho a podre. O Sineiro lá vinha à zinga; só com um remo chegou ao pé de nós, “— Atão sóce, o pexe está a quedar muito cedo?” “— Quando o sol se meter, disse eu para o Carlos, coitadinho já morreu também — Vamos aí um bocadinho fora e arriar as zagaias”. E eles não sabiam nada, diziam que a gente estava a furar o peixe com as zagaias. De resto fartaram-se ganhar dinheiro à nossa conta… (risos) eles era à amostra e por cima da água, amostra é a embarcação a dar e os peixes-espadas quando chegavam e metiam-se ao sol, de dia havia muito peixe-espada a saltar à amostra. Eu com três pegas à ré e o meu camarada avante com duas. O peixe-espada a dar a dar. O peixe-espada era carga de um lado e carga do outro. Vá de remar até Galheta. éramos dois em cada aiola, chegava-se onde era a lota, eram 104 peixes-espadas, 4 peixes-espadas eram para a quebra dos 100. Chegámos ao pé do Laranjinha, tínhamos confiança com ele, o peixe-espada deles era amostra, o nosso peixe-espada era maior, peixe-espada era a 18 tostões, era o preço e depois foi a mais 3 tostões.
Isto era em Sines, estava o Ti Chico da Cotovia que era cá de Sesimbra, estava lá um colega nosso que já lá estava há mais tempo, e ele dizia: “— Viemos para aqui, e aonde é que a gente dorme?” O que se faz quando somos novos! Aonde é que a gente dorme? Trançantes era o pescador que já lá estava. Vai ter com o Ti Chico da Cotovia que tem um armazém e tem lá as esteiras (cadeiras) dormia-se lá dentro, e lá ficávamos os seis ali dentro.
Passado uns dias apareceu o cabo de mar: “— Oiçam lá, vocês donde é que são?” Dizia o cabo de mar
“— Somos de Sesimbra, o peixe lá era pouco, a gente somos pescadores e viemos para aqui a ver se ganhamos alguma coisa…”
“— Mas vocês não podem estar aqui.”
“— Tá bem, mas o que é que o senhor quer que façamos? Temos que andar a ver se ganhamos dinheiro para depois irmos embora”. Quer dizer depois passou.
Passou-se aquilo, eu era amigo dos bailes, quando ficava em terra e o meu camarada também gostava.
Sou do tempo da sujidade às portas, quando vinha a carroça vazava para dentro do carro. A gente acabava de almoçar e saía-se para tomar a bica e elas estavam à janela e fechavam logo as janelas.
Íamos aos bailes, era à quinta-feira começava às nove e acabava à meia-noite. Era cedo.
Dizia uma conhecida, “Sebastião, o meu namoro foi ao pé do Alfredo Coiteiro morava o Loquinhas chamavam o Páteo da Tia Catrina (parte de cima do Espadarte, estava sentado ali e ainda me lembro vinha a minha mulher ainda era nova, com um laço grande atrás, foi aí que lhe pedi namoro.
Acabando ali, o que sucede, meti o barco de aparelho, já sabe, passou os doze e os treze o meu irmão embarcou e fiquei sozinho, tenho a Valéria, tenho a Júlia e o Raúl que estava a estudar para padre, que morreu com 72 anos, quando o meu irmão estava no Canadá e chamou-o, mas ele foi a Itália acabar o resto curso, mas estavam lá 600 seminaristas de vários lados não achou e veio para Lisboa, já trabalhava com uma máquina de fazer jornais, o gajo tinha uma ideia qualquer, coitado!
Teve uma altura que o meu irmão chamou por ele, mas ele não pode ir, naquele tempo com aqueles estudos! Não pode ir. Foi para lá à segunda vez, como funileiro, estava na praça da rua, arranjar cafeteiras e tachos.
Depois andei ao aparelho, depois na armação; na Restauradora, com quinze anos. Estava a almoçar o meu Tio Alberto era mandador da Restauradora, conhecia as armações de ponta a ponta, chega a filha a Maria Fernanda, estava a almoçar e pergunta-me: “— Olha lá primo, o meu pai está a dizer, se queres ir trabalhar para a armação?”
Naquele tempo havia cartas debaixo da porta para ir para a armação. O primo foi ao mar ontem e matei 15 badejos, os badejos é tal e qual como o bacalhau. Disse ao Carlos Rachado que já morreu, vais tu com o tio coxo, era o tio dele, que era coxo e só tinha uma perna com 14 anos, pertencia à Armanda Rachada que morava da parte de cima do Espadarte vai ter ao Fogaço, que era uma pedra que ficava a leste da Pedra dos Vidros e só eu é que sabia daquela pedra e disse a ele e foi lá e matou peixe a valer.
Cheguei à armação com quinze anos, estava o mestre de terra ao balcão, era seco, mas conheci a vida muito novo, logo com 9 anos, queria a barca e não queria a escola de maneira nenhuma, andava uns dias e depois arriava da mão, não fazia caso, uma estupidez, hoje estou arrependido, por não saber ler.
Diz assim o mestre de terra da armação: “— Ouvi dizer que vais para a armação?”
“— Porquê, perguntei eu?”
“— Quando tiver uma barca lá fora e quando agarra o tempo do Noroeste, quando cai este tempo da parte da tarde, temos as armações para ir buscar, as barcas estão paradas lá fora, como é que trazes a barca para a terra? É preciso ciência.”
“— Tu alguma vez trazes a barca para a terra?”
“— Eu trago, pois logo se vê”, disse eu, já sabia. Põe-se o varão; é só um remo à proa no cabeço, tem uma rodela para enfiar o remo, fica à feição, à zinga, vira-se a barca chega-se para a popa, puxa-se da popa à força toda a fateixa, vai a caminho da proa para a barca andar à ré, agarra-se no remo a zingar e está a barca em terra, nunca me lembro de andar à roleta. Continuei a andar nas barcas.
Mais tarde, pelos 18 anos fui para a barca do António da Olimpia tive lá os seus 14 anos, depois Sines. Era o Carlos Alberto, Sequeira e o Parte Certa, andámos lá três anos. Havia a fábrica do Artur Cândido, na rua Basílio Teles e havia aquelas folhas da lata, que tinha espaço para pôr o peixe. Tinha um buraquinho para pôr o rabo do peixe e com a tesoura fazia-se o molde do peixe, punha-se agarrado aos anzóis, fomos ao Penedo aqui fora, a folha em cima de uma tábua e com o martelo batia-se na folha com o martelo à laia de pintinhas a fazer de escamas.
Estava ralasse, chegávamos lá abaixo e era sempre fixe: badejos, mas badejos grandes.
Dizia assim o Lameirão, que já morreu: “— Oh Raúl, vocês estão sempre a olhar de cima para os peixes e não matam o peixe?” Mergulhava e o peixe pegava e foi assim pá.

Como eram esses tempos?
Eram tempos muito difíceis, esta malta nova não sabe o que era a vida dantes. A vida dantes era muito difícil, era muito espinhosa e as casas de cheias de filhos,

Os seus antepassados eram pescadores? Se sim, como se chamavam?
A minha mãe chamava-se Júlia Correia Rodrigues e o meu pai chamava-se Raúl Correia Rodrigues.
Os meus avós eram pescadores, um chamava-se Sebastião usava um barrete, ia pescar o peixe-espada para vender e depois ia comprar batata-doce.

Lembra-se do ciclone do dia 15 de fevereiro de 1941?
Tinha 11 anos, morreu o meu primo que tinha uma barca pequena, o mar começou e galgava os muros, começou a levar as barcas das armações: Ilhau, Burgau e Pai Bernardo (nome popular da armação Bolará).
Ia para casa da minha tia Elisa, no terceiro andar na janela, via o mar e as barcas, vinha o mar e levava as barcas.
As armações que havia: Greta (perto da Arrábida), Restauradora (andei lá 4 anos), Risco, Cosinhadouro, Cova, Agulha, Charanga, Torre, Varanda, Ilhau, Burgau, Pai Bernardo, Mijona, Roquete e Raposa, entre outras.

Recorda-se como era feita a venda em lota na praia?
Havia o ti Chico vendor, o meu pai vendia sempre o peixe a ele, lá está aquilo que te disse ainda agora: chegava o inverno, as dívidas, os vendavais, as casas cheias de filhos, cheguei a pedir 10 escudos para matar a fome. Ele tinha dois guardas por conta dele, vendia peixe tão depressa, tinha dois guardas a apontar, apontava, um apontava outro.
Uma vez fui pedir 10 mil reis, mandou 5 escudos. Tinha que andar ao mar, à noite preparava a isca para poder ir ao mar novamente.

Quantos anos andou ao mar?
Muitos, fui para o mar com 9 anos, a vida era muito espinhosa.

Nos seus primeiros anos de pescador, como navegavam?
Tudo ao remo e vela. Era em aiolas, não havia botes. Os botes eram das sacadas que eram maiores, no tempo da miséria havia muito peixe.
Todos os anos havia 10 a 15 dias de vendavais. Casas cheias de filhos, não havia empregos nenhuns e havia muita fome.

Ainda chegou a navegar à vela ou já utilizavam os motores nas embarcações?
Andei sempre ao remo e vela, quando meteu-se a barca do António da Olimpia, 15 anos, eram 6 aiolas, à laia de bacalhoeiro, metiam-se as aiolas dentro e ia-se para o sul, chegava-se ao lugar, deitava-se as aiolas ao mar, cada qual rema para o seu lado e pesca, faziam-se quatro partes, uma parte para a barca e três para a gente. Quando apareceram os motores já tinha uma certa idade, diziam assim, eu nunca quis motor, e para onde eles iam, chegou um que andava atrás de mim e eu ao remo, uma vez quando houve lulas (lulas da milha) matei 100 kg de lulas, com piteiras — não havia palhaços, só piteiras.

A vida do mar sempre foi considerada de muito dura, acha que continua a ser assim?
Hoje é um mundo novo, dantes não havia motores, as barcas eram pequenas e depois apareceram os barcos. Sempre fui das aiolas e da barca do António da Olimpia.

Quais foram os tipos de pesca em que andou?
Primeiro a pesca era um arame de aço para a zagaia, não havia pita nenhuma, era um arame de aço com um metro e só os quatros fios de dentro é que tinham valentia. Depois com a lata amarela ia-se à malha, levantava-se cedo, chegava-se antes do sol sair não havia redes e estava lá o peixe à mesma. Pargos de morro, era madeireiros, pargo de morro é peixe com dez a doze quilos e com anzol a fazer de zagaia viva.
Era o Guiné, era um homem que se chamava Narciso, chegámos uma vez, eu, o meu pai e o meu irmão, estava-se na Malha numa pedra, ao nordeste, lá para norte do cabo Espichel, chegou-se o Narciso na aiola com outro camarada: “— Então Raúl, estava peixe?” Estava, vinha para a terra tirava de fora do peixe e estávamos a comer uma carcaça com manteiga. Passou o camarada Narciso, matámos uns três ou quatro peixes e agora não se sente nada, o mar estava afastado e ele foi-se embora e mais tarde fomos lá e estava lá o peixe à mesma.
Sesimbra teve sempre muitos pescadores, é isso que estou a dizer, sim senhor, mas as ideias melhores vieram de fora. Veio o algarvio, havia o Chico Zé André que era meu vizinho, para apanhar uma sarda, que era da armação da Torre, era uma tira de lula, com um bocadinho de carne no anzol para apanhar uma sarda, veio um senhor do Algarve com uma [pesca] desportiva — uma desportiva é com cinco, seis ou sete anzóis. Anzóis novos com um pingalim pequeno de borracha, um sim um não, matava xaputa, matava goraz, matava tudo, matava tudo, era todo o peixe que pegava aquilo, é uma pesca de mão.
Os anzóis novos faziam candil, apanhava-se tudo desse modo.
Os palhaços também apareceram matava-se lulas à piteira, com os palhaços, hoje um barrebotas qualquer que venha de lá de cima, com os palhaços, aonde está peixe encontra logo.

Chegou a participar na pesca longínqua?
Andei no meu tio Manel, eram umas poucas de barcas, havia atuns, havia peixes agulhas, albacoras, olhos brancos (tipo de cação) havia peixe todo. Uma vez fomos com quatro aiolas dentro de uma barca, Carlos Rachado, o Totó, eu e o Sequeira e era outra aiola com dois homens, dantes

havia toda a qualidade de peixes. Chegámos a ir quando o peixe-espada estava junto, para as armações todas, no fundão que é no mar da Pombeira, antes de chegar ao Cabo Espichel. De noite a ala arde, e vê-se a branca do peixe, dá a claridade.

Até onde foi?
Aqui para fora, chamam-lhe o mar de Sesimbra, o mar Novo e o Canto de Água são os mares perto um do outro. Quatro ali dentro, cada um usava uma tralha, um arpéu e uma choupa, para os peixes-agulhas, que eram os espadartes.
Havia xaputa a valer, chegamos perto de uma barca qualquer, metemos a xaputa viva na selha com água dentro, ferramos o anzol com a xaputa, quatro aiolas a pescar, a cala era de 50 a 55 braças, parece mentira, quando chegava ali às 11 horas que estava a calma, apareciam os peixes-agulhas, pegava o atum, pegava o peixe-agulha, pegava qualquer peixe.
Uma vez eu e o Sequeira e o meu camarada Carlos (ele uma vez apanhou três e eu apanhei dois, atuns e peixes-agulhas). O atum, chegou, aquilo quando pega leva um andar, quando veio foi levado e chegou a bordo. Um bocado depois arreio o cabo da proa da aiola e passei o nó ao rabo do peixe, pus ao zingador, pus a tralha em cima, pus meia volta avante, o atum quando é para morrer dá um safanão… ficámos brancos. Parece mentira o atum quando é para morrer…
O corricão tinha cerca de 20 anzóis, entre cada tala uma boia, cerca de 30 talas, era a pescar em pé.
Noutra altura, o tubarão estava perto, perto da popa da aiola, a aiola estava cheia de peixe-espada, apareceu o tubarão à borda, perguntei ao meu camarada se queria arpoar o tubarão… o tubarão queria abocanhar-nos…

Pretendeu ser pescador desde sempre ou gostaria de ter tido outra profissão?
Sim, gostava, a gente vem tudo à ideia, no tempo que o meu irmão embarcou com a filha do Ratinho, chamava-se Ermelinda, embarcou, eu falo contra mim, não ser estúpido, se continuasse na escola a ler e a escrever não era pescador, andava embarcado como o meu irmão. Um foi para um lado e outro foi para outro. O meu irmão andou nos petroleiros, era o despenseiro.
Ele foi do tempo da última guerra, esteve em França, debaixo de guerra andou embarcado durante 16 anos.

Atualmente como vê o sector das pescas?
Hoje, isto hoje é um mundo novo, mais fácil a 100%, dantes o peixe vinha na traineira era chegar à lota, era à giga, deitar a mão à giga, andar pelas escadas acima e a vazar as caixas.
Hoje é com as dornas, o peixe vem dentro e com o guindaste é 100% melhor que era antes.

Sem os equipamentos eletrónicos, sem segurança, com poucas condições de trabalho e sem quaisquer apoios, como era possível ir para o mar todos os dias e desempenhar a vossa profissão de pescador?
Era levantar às três horas da noite, dormir numa barraca, com os remos às costas, era muito diferente, no princípio não havia esta coisa de ir dentro da barca, levar aonde a gente queria, era dentro da aiola e era tudo a remo e vela até ao mar da Pombeira no Cabo Espichel.

Como faziam para detetar os cardumes, sem sonares da pesca e outros equipamentos eletrónicos?
Os cardumes viam-se de noite, quando era noite, não sendo lua e sendo escuro, o peixe abre e brilha, vê-se logo. Era mesmo bonito e dantes havia toda a qualidade de peixe.

Recorda-se da passagem das baleias pela nossa costa?
Era o Augusto Caparica, era vizinho da minha mulher, morava na rua do Alfenim, ao pé da praça, andou no barco às baleias, havia o barco de ferro, que era tal e qual do tamanho da vedeta que vem aí, chegou a levar duas baleias (uma de cada lado) baleotes para Setúbal e eram desmanchadas em Setúbal, apanhavam aqui fora, dantes havia baleias aqui no mar novo, em qualquer mar havia baleias. Tinham o barco que as levava para Setúbal, aqui nunca foram desmanchadas.

Outrora existiam várias armações ao longo da costa, já disse que trabalhou numa delas.
Quatro anos na Restauradora.

Quais terão sido as causas para o desaparecimento de algumas espécies e também das pradarias (algas)?
Redes. As redes foi a maior destruidora, redes de largar à malha, foi a coisa pior. Havia xaputa, xaréu, quando era tempo das albacoras, havia albacoras, lá está quando acabou o peixe-espada acabou o aparelho das barcas. Depois veio o peixe-espada preto, mas antes disso, no tempo das barcas, chegaram a estar 8 barcas em Cascais, era cherne, xaréu eram todos os tipos de peixe, fazia-se uma caldeira e uma massa.
Nós usávamos anzóis, apareceram as redes e acabaram com tudo.

Porque é que as proas das embarcações têm pintadas estrelas, olhos e outros motivos?
Cada armação tinha uma pintura, antigamente, desses tempos, dos vendavais, havia a regata das armações, era um gosto de se ver, cada barca com oito remos armados, regata dos botes da sacada, era a regata das aiolas e a nossa barca que é a barca mais velha da praia é a “Amor ao Ofício”, que é de uma pessoa do Barreiro, ainda existe e anda de volta e meia com banhistas aí. Eu dormia na cabine mais o filho dele, o Joaquim António, ia-se para Sines, era para o peixe-espada em Sines, mas também em Sagres, no mar da Cova do Sono aos chocos.
Enchia-se a sapata de Sines, duas vezes com peixe-espada grande.
De Sesimbra a nossa barca levava 3 horas e meia a chegar lá, tinha-se sempre medo, a barca já tinha muita idade, a barca “Amor ao Oficio” foi feita na minha rua Basílio Teles, o António da Olimpia velho fez as três barcas lá.
Nunca quis motores, apenas vela e remo, quando chegaram os motores, não quis, tempos difíceis, mas nunca passámos fome…

Considera os pescadores crentes e devotos do Senhor Jesus das Chagas?
Eu era pequenito, ainda me lembro de ir na procissão nu com uma pelezinha de carneiro, eu e o meu primo Alberto e a minha prima Maria de Fátima, que já morreu, a malta da minha idade já morreu toda, só o Xarita que mora ao pé de mim no largo da Guarda, tem 94 ou 95 anos. Tudo acabou, a malta da minha idade já morreu quase tudo e a malta nova não quer ir para o mar e o mundo é um mundo novo, não vai estar melhor.
As redes desgraçaram a pesca toda, deram a pôr as redes, apanhavam as pescadas grandes e apanhavam muito peixe, as redes vinham cheias de lagostas, se houvesse ainda pesca ao anzol ainda havia muito peixe… as redes desgraçaram tudo, era toda a qualidade de peixe, vocês não sabem.
Por fim chega-se a este tempo, este mês (outubro) era o tempo das albacoras, setembro e outubro no mar, ia-se engodando, vai a barca devagarinho, com uma teca de peixe numa giga e vai-se engodando, põe-se uma amostra pela popa. Havia muitas, era mesmo à borda. Os Ratinhos, eram meus primos, chegou a apanhar muito peixe, foi o homem que matou muitas albacoras e peixes-agulhas e chegou a matou 18 toninhas no tempo que se podia apanhar, agora não se pode apanhar.
A nossa barca quando era tempo das regatas das aiolas, levava a reboque as aiolas para o Caneiro, ali na Califórnia. A paga era o almoço na Câmara.
Dois homens em cada aiola, vão umas 6 ou sete aiolas ao remo com um homem sozinho, disse assim para um camarada, isto para mim é baril! Ficaram todos pela popa, sete homens, fiquei à espera deles e ganhei a regata, tinha 63 anos.
As barcas das armações partiam do Caneiro, 6 a 8 homens, com 4 remos de cada lado, as barcas das sacadas com dois, e as selhas 5 ou 6 braças para fora e era com as mãos a ver quem chegava à terra. Chegava o São João eram as caldeiradas por todo o lado, era o baile na Música, era nos Bombeiros e na praça.
No verão iam as famílias para a Arrábida, foram 3 ou 4 famílias, noites de verão, eu disse assim para o Anatólio, eh pá, eu tenho as zagaias em casa e vamos estar lá uma semana, vou levar para a Arrábida, há lá corvinas, tanto que havia no Cabo Espichel como no rio de Setúbal, há corvinas… Bem dito, bem certo, chegou a sábado havia corvinas lá fora, está lá uma mão cheia lá fora, aquilo são corvinas, era o Zé Russo Velho à popa, o Anatólio à proa e eu ao remo, matámos 9 corvinas, 2 corvinas na barca para terra para comermos e 7 foram para a lota.

João Silva Santos

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Director do jornal O Sesimbrense