A Rainha da Rádio morreu

Maria de Lurdes Resende, a Rainha da Rádio (1955 e 1962), morreu aos 95 anos na sua casa, em Lisboa. A cantora e actriz, que ‘reinou’ durante as décadas de (19)50 a 90, Gravou êxitos, como ‘Alcabaça’ e foi eleita Rainha do espectáculo em 1956.
Ao longo de mais de 40 anos de actividade gravou diversas músicas que foram sucessos, como ‘Não, Não e Não’, ‘Feia’. ‘Contra a Maré’, ‘Feia’, ‘Tenho 40 Namoros’ ou ‘Não Percas a Esperança’. Em 1945 candidatou-se, como cantora, á então Emissora Nacional, tendo-se estreado nesse ano nos populares ‘Serões para Trabalhadores’, promovidos pela FNAT, antecessora da actual Fundação Inatel.
Em 1948 recebeu o Prémio de Cançonetista no Concurso de Artistas Ligeiros da Rádio. Estreou-se no teatro, com o atracção nacional, na revista ‘Abril em Portugal’, uma produção de Vasco Morgado exibida no Teatro Monumental, em Lisboa.
Voltou ao teatro em 1970 para protagonizar ‘Um Chapéu de Palha em Itália’, de Eugène Labiche, numa encenação de Carlos Avilez, no Teatro Experimental de Cascais. Recebeu o Óscar da Casa da Imprensa em 1961. Nesta década realizou digressões a Angola e Moçambique. Actuou em França, Brasil, Alemanha, Inglaterra, Espanha, Bélgica, nomeadamente.
A Câmara Municipal do Barreiro, cidade onde nasceu a 29 de Janeiro de 1927, voltou a distingui-la, agora com a Medalha de Ouro.
A cançonetista tinha uma particular simpatia pela vila de Sesimbra, onde uma sobrinha e um sobrinho seus trabalham. Maria de Lurdes Resende participou “por três vezes no Festival da Canção”, recordou Marcelo Rebelo de Sousa. O Presidente da República considerou-a a “a voz de um tempo”.
Como homenagem a Maria de Lurdes Resende, republicamos a entrevista que deu ao nosso jornal, realizada pelo actor João Vasco e publicada na nossa edição de 8 de Novembro de 1970.

Alves de Carvalho

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Maria de Lourdes Resende

Vou por fim tirar afronta
Dessa tonta cabecita
E dizer à boca cheia
Mas que feita tão bonita…

Com estas palavras entrará Maria de Lourdes Resende no palco do Monumental na noite de 16 do corrente para que o público lhe preste homenagem na data dos seus 25 anos de estreia na Emissora Nacional. Vinte e cinco anos de actividade artística! melhor, vinte e cinco anos como primeira figura da rádio portuguesa.
Quantas vozes se esfumaram que apareceram e desapareceram sem deixar rasto nem história, neste ambiente um pouco confuso da rádio portuguesa. O importante quanto a nós, foi Maria de Lourdes Resende ter sabido “esta”. Indiferente a todos os estilos passageiros, indiferente e distante de polémicas que a maior parte das vezes são princípio de destruição de uma carreira, neste país tão pequeno de iniciativas, e de tão pequeno raio de acção para uma actividade mais constante.
Por todos estes factos, ou melhor, conseguindo inteligentemente ultrapassar todas estas barreiras, Maria de Lourdes Resende tem ao fim de vinte e cinco anos o lugar que conquistou pela sua classe de grande artista. Com um apoio maior, e com um lançamento sólido, e quem sabe num país em que a música tivesse outra dimensão, em que os artistas tivessem um organismo que os amparasse, Maria de Lourdes Resende teria ido mais longe. Mesmo assim foi premiada há anos no grande Festival da Canção Latina, e no Festival do Canadá, facto inédito nestas andanças de festivais. Conversámos com a artista, que tem sempre palavras de apreço para com Sesimbra. E não nos podemos esquecer que na recente embaixada enviada por Portugal ao Japão, Maria de Lurdes Resende levou bem longe o nome de Sesimbra através da sua excelente criação do “Puxa a Rede”. Deixamos, no entanto, em suspenso uma única pergunta:
Não será a altura do nosso reconhecimento à consagrada artista?
Nós não podemos esquecer, que há tempo quando do reaparecimento da saudosa e grande artista Mirita Casimiro, no teatro de Cascais, resolveu esta companhia na “tournée” que efectuou por todo o país visitar Sesimbra. Em todas as terras Mirita foi recebida com o maior carinho pelos mais variados núcleos locais. Em todo o lado Mirita recebeu as mais simples homenagens. Quem se lembrou de receber Mirita em Sesimbra? Não nos podemos esquecer da sua resposta quando no regresso voltava para a sua casa de Cascais. Talvez não saibam quem eu sou! nem em todo o lado há amantes de teatro! Renovámos a pergunta de Mirita.
Não haveria em Sesimbra amantes de teatro?
Depois disto oferecemos aos nossos leitores estas palavras trocadas com Maria de Lourdes Resende que se prontificou a falar ao “Sesimbrense”.

Como conseguiu manter-se como primeira figura ao longo de vinte e cinco anos?

– Considero que o meu prestígio me foi dado através dos autores que canto e da verdade que ponho em tudo o que realizo.

Que ponto considera mais importante na sua carreira?

– Todos os momentos em que criando uma canção consigo transmiti-la ao público, e este a aceita.

Que diferença nota num principiante de hoje com o de há 25 anos?

– O principiante de hoje tem mais pressa de chegar ao sucesso, e menos paciência para com o trabalho à volta de uma carreira. Só com grande esforço se consegue alicerçar um nome que perdure.

Se voltasse ao princípio daria o mesmo rumo à sua carreira?

– Utilizaria os mesmos processos que tenho usado até hoje. Mas penso que daria à minha vida artística uma dimensão mais internacional.

Quais as figuras que durante a sua vida artística, considerou mais importantes no campo de variedades?

– Todas as figuras do mundo do espectáculo têm a minha admiração, pois é necessária uma grande coragem para enfrentar uma plateia.

Que conselhos daria a uma jovem que queira ser artista da rádio?

– Como os artistas da rádio estão bastante desprotegidos no nosso país, talvez o mais honesto seja aconselhar a jovem a mudar de rumo.

Como encara a homenagem que lhe vão prestar?

– Talvez como um reconhecimento ao esforço que ao longo destes 25 anos para feito, para sua protecção de qualquer espécie dignificar o meu trabalho de artista e essencialmente a própria canção.

É um prenúncio de retirada?

– Não creio. Quero sim dar à minha carreira uma nova orientação, preocupando-me mais com a divulgação da nossa música no estrangeiro.

Quando o fizer considera-se realizada e tranquila pelo que tem feito na rádio portuguesa?

– Distingamos: existe em todas as artes o artífice e o artista. Este último nunca se considera realizado…

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O espectáculo que se realiza no teatro Monumental no dia 16 de Novembro às 21:45, terá a colaboração da Emissora Nacional com um numeroso grupo de artistas convidados, do grupo de Bailados Verde ­Gaio, do Ouro Negro, Carlos do Carmo, Paredes, e José de Castro. Haverá a colaboração de Maria Leonor, maestro Belo Marques, D. João da Câmara, primeiro locutor a apresentar nos estúdios da Emissora, Maria de Lourdes Resende. A homenagem prestada pelos seus colegas da rádio estará a cargo de Simone de Oliveira. O produto reverterá a favor da Liga Portuguesa contra o cancro por expressa vontade da artista.

João Vasco
(Texto publicado originalmente em 8 de Novembro de 1970)

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Director do jornal O Sesimbrense