Inês Lopes Reis – Carnaval é Cultura!

“A vida são dois dias e o Carnaval são três”, a origem deste provérbio bem português, traz com
ele a ideia de que este período se deve aproveitar mais do que os outros dias da vida. Este
Carnaval já passou, mas a sua história está bem presente e remonta, segundo alguns
historiadores, a aproximadamente 600 a.C., na Grécia e em Roma, onde as pessoas utilizavam
máscaras, brincavam, comiam e bebiam.
De acordo com a etimologia popular, a expressão Carnaval vem da expressão do latim medieval
carnem levare ou carnelevarium, palavra dos séculos XI e XII, relacionado com o período de
jejum que se aproxima com a Quaresma, os 40 dias antes da Páscoa. Conhecido como “entrudo”
no cristianismo, representa também um tempo de introspeção e reflexão.
O Carnaval comemora-se no mundo inteiro de formas bastante variadas e os dias exatos do
início e fim da época carnavalesca variam de acordo com as tradições nacionais e locais. Dos
mais conhecidos e participados, estão o Carnaval do Rio de Janeiro, onde os acontecimentos
principais são os famosos blocos de rua, os bailes de salão e as escolas de samba que desfilam e
competem no famoso Sambódromo e o Carnaval de Veneza, cujas caraterísticas principais são
os trajes clássicos e renascentistas, as máscaras venezianas, o desfile na Piazza de San Marco e
o cortejo aquático de gôndolas e barcos, que atravessa o Grande Canal até ao Rio Cannaregio.
Em Portugal, o Carnaval comemora-se de Norte a Sul do país, passando pelos arquipélagos dos
Açores e da Madeira, desde as tradições mais antigas e pagãs de Trás-os-Montes, passando pelo
corso político de Torres Vedras que recentemente obteve o estatuto de Património Imaterial da
Humanidade da Unesco, até ao Carnaval mais brasileiro de Ovar, Estarreja, Mealhada, Figueira
da Foz, Loulé e da nossa Sesimbra.
Do programa carnavalesco do Concelho de Sesimbra constam os habituais desfiles de Carnaval
dos estabelecimentos de educação e ensino, os desfiles das Escolas de Samba e Grupos, o
famoso desfile de Palhaços, as tradicionais Cegadas e Cavalhadas e o Enterro do Bacalhau na
Quarta-Feira de Cinzas. Se por um lado a baía de Sesimbra é “palco” da permeabilidade cultural
com a clara influência do Carnaval brasileiro, por outro, a zona rural do concelho é “casa” de
grupos de cegantes de Alfarim e Zambujal, que mantém vivos costumes tradicionais e
centenários como as Cegadas, cantadas em verso exclusivamente por homens, acompanhadas
por guitarras portuguesas e as Cavalhadas, grupos de homens, a cavalo, de bicicleta ou de mota,
que recriam hábitos medievais. Para terminar os festejos, o típico Enterro do Bacalhau, que
conta a história da vida do defunto, pelas ruas da vila, carregada de humor.
Carnaval é sinónimo de folia, entusiamo, música e muita cor. Os desfiles alegraram a vila, os
sorrisos de quem participou e de quem veio só para assistir foram uma constante, as saudades
já eram muitas e a diversão esteve presente do mais novo, ao mais velho.
Em Sesimbra, esta é uma das festas mais esperadas, uma época em que se valoriza a diversidade
e a cultura local. As Escolas de Samba e os Grupos brindaram-nos com uma panóplia
diversificada de enredos desde “A Gentileza da Cor” do Trepa no Coqueiro, com uma viagem
pelo mundo das cores, passando pelo mundo encantado das crianças com “O Renascer de uma
Nação” dos Bigodes de Rato. O GRES Batuque do Conde quis chamar a atenção para o racismo
com o enredo “A Saga dos Filhos Negros Dessa Mãe África” e a Escola de Samba Corvo de Prata
contou a história das “Tribos Africanas Seus Mistérios e Encantos”. A Tripa Cagueira Associação
enfatizou os carnavais passados, as tradições dos bailes de salão nas coletividades que hoje já
não existem, já o GRES Bota voltou à avenida dando continuidade ao Carnaval de 2020 e
colocando o seu destaque na união de todos para a melhoria das condições do Carnaval com o
enredo “Déjà Vu Realidade ou Sonho”. A Tripa Mijona trouxe para a avenida “O Poder da
Música”, enquanto linguagem universal com grande impacto, nomeadamente em pessoas com
Alzeimer e o Grupo Recreativo Escola de Samba Unidos de Vila Zimbra apresentou a “Sétima
Arte”, enchendo a avenida de personagens icónicas de filmes que ainda hoje temos na memória.
Por fim, os Saltaricos do Castelo e o enredo “Oh Deus, Porque nos Criaste”, uma carta aberta da
humanidade a Deus, com um pedido de salvação por todos os impactos ambientais que a
sociedade tem causado ao nosso planeta.
Mais do que cor, música ou dança, estas são mensagens que nos devem fazer refletir a todos: o
que seria da sociedade sem a valorização da história e da cultura, sem a exaltação dos
sentimentos e das emoções, sem a crítica social e política ou sem o desejo de um mundo
melhor?
Isto é cultura e a cultura somos nós.
Mas para que todos, possamos usufruí-la e promovê-la precisamos de organização, de
comunidades seguras e sustentáveis, de sociedades pacíficas e inclusivas. O património cultural
(tangível ou intangível) e as atividades culturais devem ser protegidos e geridos de forma
cuidadosa, sob pena de não funcionarem como transmissores e facilitadores para o
desenvolvimento.
Embora sejamos intervenientes individuais de uma mesma comunidade mundial, somos feitos
de diferenças e é nessa multiplicidade que se encontram as mais incríveis singularidades, que
caraterizam cada gente, ao mesmo tempo que as diferenciam. Na cultura encontra-se esse
reconhecimento e a necessidade de se protegerem as raízes, as tradições e a identidade cultural
do local.
As “dores de crescimento” estão explanadas no nosso Carnaval. Conforme li, algures pelos
“posts especialistas facebookianos”, não é possível controlar tudo o que se passa nos dias e
noites de Carnaval mas é e será sempre possível melhorar. Será sempre possível, em conjunto
com as partes interessadas, continuar a evoluir e a proporcionar um Carnaval organizado,
seguro, sustentável, pacífico e inclusivo.
O Carnaval de Sesimbra é cultura, é tradição, é diversão. E deve continuar a ser união.
“Mas há uma réstia de esperança no ar… Vai ser preciso lutar, aprender a construir… Para que
quem não brincou, ainda possa brincar, sem tanta violência.” (adaptado do samba enredo do
GRES Bota e da música oficial da Tripa Cagueira Associação).

Anuncio Bottom

About the Author

Editor
Director do jornal O Sesimbrense